SAUDADE,
“OBJETO” NÃO IDENTIFICADO
O
poeta José Carlos Paes escreveu em suas memórias que as cidades estão no tempo
e no espaço. Com estas palavras explicou a sensação que teve no dia em que,
após longo tempo, voltou à sua terra natal e não conseguiu entender a frieza que
tomou conta de sua alma. Toda sua vida com tudo o que ele havia vivido ali em
sua infância desmanchou-se em um vazio que nem as mais doces recordações
conseguiram preencher. Entendi perfeitamente o que ele descreveu porque eu
havia passado pela mesma experiência em 1979. Assim como aquele poeta, fiquei
anos e anos sonhando e imaginando os sentimentos que invadiriam o meu coração no dia em que eu retornasse ao local onde nasci e vivi até os sete anos.
“Se
algum dia à minha terra eu voltar quero encontrar as mesmas coisas que deixei.
Quando o trem parar na estação eu sentirei no coração a alegria de voltar”.
Esse trecho de uma canção, na infância, fazia meu coração vibrar. Seu título é
“Os verdes campos da minha terra”. No
entanto, quando esse dia chegou para mim, ao descer na estação, dezesseis anos
depois de ter embarcado ali em um trem para vir embora definitivamente para
Salvador, embora eu não soubesse que assim o seria, foram outros os sentimentos
que me aguardavam. Apesar de encontrar “quase” as mesmas coisas que deixei e,
de conseguir visualizar algum verde no alto das planícies (hoje substituído por
moradias), em meu coração havia um misto de emoções indecifráveis. Consegui
alguns antigos contatos e fui realizá-los só para ter a infeliz certeza de que
eu passei dezesseis anos mentalmente lá, mas eu não estava mais lá. Tive que enfrentar o óbvio: os meus contatos
haviam se evanescido no ar. Na minha ausência foram desfeitos todos os momentos
que agora jaziam no terreno do esquecimento. Meus sorrisos não eram retornados.
Algumas amigas de infância, embora eu as reconhecesse, me olhavam como se eu
fosse um pássaro que teimava em voltar para um ninho que já não existia. Uma delas,
então trabalhando em uma ótica, se me reconheceu, não deu sinal que me fizesse
entender que isto acontecera. No máximo, fui reconhecida por uma pessoa já
idosa que veio com um misto de preconceito regional, pois foi logo
categorizando: “nossa, mas ela já está até de sotaque!” E eles queriam o que?
Olha, peguei meu trem de volta assim que constatei que ali eu não passava de um
objeto não identificado, assim como também seria a minha saudade a partir
daquele instante.
Quando
Jesus chegou a Nazaré, cidade onde havia sido criado, poucos se importaram com
sua presença. Infância e juventude passara naquela localidade, mesmo assim, não
pôde fazer muitos milagres ali por causa
da incredulidade do povo. Mas há o registro Bíblico: “veio para o que era seu, e os seus não o receberam. João 1:11.
Bem,
da minha primeira visita a Morro Agudo eu confirmei a grande predição do poeta
e acrescentei algo mais. Não só as
cidades, mas os bairros e as moradas
ficam no tempo e no espaço. É o que fica
de todo o nosso passado. A própria vida
se encarrega disso na grande produção da
nossa História. São várias caminhadas que, também, por vezes, vão ficando no
tempo e no espaço. E assim nós vamos virando nossas páginas sendo de lá, sem
ser de lá.