E A GELADEIRA ERA LÁ EM CIMA...
Recebi uma mensagem outro dia em que o autor assegurava que nós somos os
últimos exemplares de pais da face da terra cujos filhos respeitam os pais. Parei
para pensar porque eu tenho visto cada coisa de uns tempos para cá...
Digo isso porque sou de um tempo em que eu, por exemplo, e convivi com muitos
contemporâneos que passaram pelo mesmo, que íamos ao armazém quantas vezes
fossem necessárias. Ah, e havia também as quitandas, as “vendas”, açougues,
padarias e bote variedades de estabelecimentos únicos para cada tipo de
mercadoria que se precisasse durante o dia. Supermercados em Salvador existia,
mas, era uma grande novidade. Só existia um no Forte de São Pedro (Visconde de
São Lourenço), e outro no Edifício Oceania, na Barra. Nossa família fazia
compras semanais neste primeiro citado e o dia de compras era uma verdadeira
festa familiar. Naquela época o costume era mais peculiar às donas de casa que,
na companhia das empregadas faziam daquela tarefa um grande evento. Minha tarefa
principal era “guardar a fila”. Esse ofício consistia em entrar na fila assim
que chegávamos ao supermercado e de lá, não sair de forma alguma, até que minha
tia terminasse de escolher todos os suprimentos e viesse ter comigo. Até hoje
essa outra forma de fila baiana funciona. Porque são várias...
Que criança hoje em dia “aceita”
dos pais esta tarefa? Engoli muitos livros de Olga Pereira Mettig naquela
empreitada. E só disso tenho saudades.
Estudei todo o ano de meu pré-vestibular naquelas enormes filas. Lembro-me dos livros
de história, tanto medieval quanto moderna e contemporânea, de José Jobson de
A. Arruda, completamente devorados, no ano do vestibular.
Mas hoje, em muitos lares, a história é outra. Existem filhos que aceitam
até tais tarefas de bom grado... para os amigos. Pois é! A obediência deu lugar
a prepotência e, nestes tempos de
valores invertidos, já vi filho pilheriando que não fez determinada coisa só
porque foram os pais que pediram. Disseram: senão eles vão achar que mandam em mim.
E é então que eu relembro: imagine que lá, onde eu morava, a casa era formada
por um antigo solar com uma escadaria de dezoito degraus que dava acesso ao
pavimento superior cuja cozinha ficava na parte inferior. Agora, pense a
loucura toda vez que iam cozinhar. Café da manhã, almoço e janta tendo que ir
pegar item por item cada vez que se precisava de algo. Já não bastava ter que
ir na “venda” toda hora.
E quem era doido de reclamar? E ainda tinha essa coisa de geladeira toda
hora. Ainda brincavam com meu gólgota dizendo que eu estava imitando a terra
fazendo os movimentos de rotação e translação. Em torno do bairro e, em torno
de mim mesma. E sabem por que eu reclamava? Isso mesmo. Pasmem! A cozinha, como
já disse, era em baixo, mas a geladeira ficava na sala. E a sala era lá em
cima. Não ria não que isso é pior que um problema matemático. Deixe-me repetir,
a cozinha era em baixo, mas a geladeira ficava na sala, e a sala era lá em
cima... e a geladeira, claro,
era lá em cima! Graças a Deus que virei
essa página, há muitos anos. Deus é bom.



