O BATEDOR DE
CARTEIRAS E O ESCORPIÃO
Acredito
que muitos já leram, ou ouviram aquela estória do sapo e do escorpião com o
objetivo moral
de fazer uma comparação entre a natureza humana sempre em luta com
sua natureza carnal. Mesmo assim transcrevo aqui:
“Um escorpião aproximou-se de um
sapo que estava na beira de um rio e lhe fez um pedido:
- Amigo sapo, você poderia me
carregar até a outra margem deste rio tão largo? -
O sapo respondeu: - Só se eu fosse louco! Você vai me picar e eu vou
ficar paralisado e afundar. Disse o
escorpião: - Isso é ridículo! Se eu o picasse, ambos afundaríamos e nos
afogaríamos.
Confiando
na lógica do que disse o escorpião, o sapo concordou e levou o escorpião nas
costas, nadando para atravessar o rio. Quando chegaram ao meio do rio, o
escorpião cravou seu ferrão no sapo. Atingido pelo veneno, e já começando
a afundar, o sapo voltou-se para o escorpião e perguntou: - Por que você fez isto? Agora nós
dois vamos morrer! - E o escorpião respondeu: "Por que sou um
escorpião e esta é a minha natureza."
Lembro-me
dessa analogia, toda vez que releio uma situação pela qual passou o cirurgião
plástico Ivo Pitanguy no início de sua carreira. Ele contou em várias de suas
autobiografias, inclusive em Viver vale a
pena, página 64-66, que na década de 1940 a “cirurgia reparadora era
considerada desprezível pela comunidade médica”. Achavam-na, segundo suas
palavras, fútil, e, até ouviu colegas acusá-lo de “perder tempo com coisinhas”.
Bem, a despeito de todas as críticas ele continuou a se dedicar a essa
especialidade no que se tornou referência mundial. Para ele sua missão se
constituía em ajudar as pessoas que o procuravam a reconstruírem suas vidas através
de “uma existência normal mesmo que fosse um delinquente”. E foi assim que
certa noite chegou à emergência do hospital em que ele trabalhava um conhecido
batedor de carteiras da região central do Rio de Janeiro. Levou horas para
recuperar aquela mão tão perigosa. Seus colegas o advertiram-no de ajudar
alguém que vivia a serviço do mal. Terminado o serviço Pitanguy relata o
diálogo que teve com o marginal:
- “Espero que guarde bem minha
fisionomia e, quando me vir nas ruas do Centro, não venha bater minha
carteira”. No que o paciente lhe respondeu com toda seriedade:
- Sinto muito, doutor, mas nesse
caso minha conduta é tão profissional quanto a sua. Quando estou trabalhando,
não levo em conta quem é o meu “cliente”.
Jesus
também não levou em conta a sua “clientela”. Muito menos as formas variadas que
eles utilizavam para virar suas páginas. O público ouvinte de sua palavra era
constituído tanto de ricos, como Nicodemos que o procurou na cada da noite, com
vergonha de ser visto, quanto de multidões de famintos em busca do pão material!



