segunda-feira, 27 de julho de 2015

TINHA UMA PERDA NO MEIO DO CAMINHO...

Sentada diante do computador a angústia  tentava sorrateiramente se aproximar. Fazia poucos dias que eu a havia perdido.  Minha tia, a pessoa que no lugar de minha mãe cuidou de mim dos seis aos vinte dois anos, quando, em uma noite de reação impulsiva, sai de casa com a roupa do corpo. Dias se passaram até eu conseguir reorganizar meus pensamentos, mas as palavras não vinham. Na minha mente, lembranças da minha trajetória ao seu lado. Sempre me protegendo de mim...
 

Lembro como se fosse hoje, um dia de 1970, em que ela sentiu uma dor e eu a acompanhei até uma emergência  da  Samdu (antigo pronto atendimento que ficava no bairro de Amaralina). Lá ela encontrou uma grande amiga. As duas começaram a relembrar os velhos tempos e a dor se foi antes da consulta. Ela só queria um pouco de atenção. Eu não conseguia entender essas coisas naqueles tempos de juventude sonhadora e voltada para meus anseios. Nos últimos dias de sua vida eu pude me redimir do passado ficando todo o tempo que dispunha fora do trabalho dedicado ao seu lado, junto ao seu leito. Sempre de costas para a televisão eternamente ligada. Lia-lhe o Salmo 23 quantas vezes ela me pedisse. Impresso em fonte dezoito, pois ela me pedira em letra grande para que pudesse acompanhar-me na leitura. Agarrava-se a um fio de esperança de mais um pouco de vida. Sonhava com os seus cem anos que não vieram. Foi-se aos noventa e oito. Não sou de chorar. O que sinto? Deus sabe!    

Quando vi que precisava voltar a escrever e terminar meu quarto livro devocional, e mais  uma dissertação que me aguardava há alguns dias... as palavras não vinham. Então eu clamei ao Senhor para que elas se apresentassem diante de mim. Orei e convidei-O a sentar-Se junto a mim. Preparei-lhe uma cadeira que alguns supunham estar vazia. Só eu e Ele sabíamos que não estava.  E  o milagre da escrita aconteceu! Quando dei por mim só vi as letras saltarem  do teclado do computador. Então escrevi. Escrevi para o meu Salvador, escrevi para meus futuros examinadores, escrevi para a vida na minha solidão de mulher com filhos criados e cuidando de suas vidas.  Escolhi escrever como a principal de minhas atividades. Sei que você poderá dizer: “Ora, se ela se entregar ao Trabalho Missionário e ás atividades da igreja não vai sobrar tempo para solidão.” Mas quem viveu um pouquinho mais, como eu, sabe do que estou falando. E assim prossegui.

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Sim, havia uma perda no meio do caminho. Havia aquela perda, que vira aquela página, a qual, a gente sempre pensa que está preparada para virar, mas que nunca está. É que esse tipo de página nem sempre consegue ser virada. Na verdade ela nos é arrancada. E o livro de nossa vida tem que continuar sem ela, cujo lugar deixa aquela marca que todos que o abrem percebem que, um dia, ela ali estava. Porque pequenos pedaços aqui e ali insistem em aparecer no canto mostrando o rasgo indisfarçável.  

A morte é sempre “fórceps” para aqueles que amam o ente que se vai. Mas vamos seguindo. Arrancada a “fórceps” ou não, a página vai ficar para sempre guardada na lembrança. Vai ficar dobradinha e bem guardada no fundo do coração e na região das eternas lembranças. Essa também é uma doce forma de virar a página.

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