terça-feira, 30 de junho de 2015

O Grande Poeta e sua Poesia

Falei que Deus foi o Grande Poeta nos anos em que estive em Sussuarana Velha e atuei profissionalmente no CAS. Meus filhos estudaram piano, teclado, violão. Isso foi poesia. Continuei investindo em cursos de inglês para minha filha. Como eu não podia pagar para os três pensava em um mercado de trabalho em que as mulheres sempre têm menos oportunidades e, por isso, quis ampliar seu universo pagando o curso só para ela. Coisas de mãe que se (pré) ocupa com o futuro dos filhos. Os homens da família não entenderam essa minha visão e de vez em quando ouço indiretas. Mas não ligo. Estou em paz com os objetivos das minhas intenções. E se eu tivesse que fazer essa opção novamente, faria tudo igualzinho outra vez, se preciso.                                    

Não poderia fechar o ciclo desses anos sem contar sobre a poesia que foi escrita por trás dos muros da Penitenciária Lemos de Brito. Lá desenvolvemos um ministério que deixou muitos frutos dos quais nos orgulhamos muito e, como a Bíblia diz que se alguém deve se orgulhar de alguma coisa é de manejar a palavra, lá, foi o que mais fizemos. Era pura poesia quando, ao chegarmos aos sábados, encontrávamos o local de culto preparado e os internos nos aguardando com um respeito que aqui fora jamais alguém pensou em existir. Havia o ciúme das visitas. Um não podia “alugar” visita do outro e assim tínhamos que ter critérios antes de aceitar convite para visitar alguma cela. Levei meus filhos algumas vezes para que eles entendessem a realidade da vida e eles eram recebidos com muito carinho. Meu esposo não gostava mais foi aceitando. Chegou até a ir uma vez, porém não retornou mais.

 Por esse tempo minha mãe, por intermédio de irmãs que participavam do mesmo ministério, veio a conhecer seu futuro esposo. Uma vez casada mudou-se para um município da região metropolitana de Salvador. Isso foi, sem dúvida, poesia. Já minha irmã caçula teve um menino de um relacionamento que não avançou para nenhum tipo de compromisso, mas que ao menos, para ela, deve ter tido lá sua poesia...

No mais dessa fase ficou o marco do dia em que dois detentos foram liberados para serem batizados. O saudoso pastor Arandi Nabuco fez a cerimônia de batismo que foi muito linda. Depois servimos um almoço e tudo foi perfeito. Os agentes penitenciários fizeram seu papel de forma discreta sem causar nenhum tipo de constrangimento aos presentes. Foi na Igreja Adventista de Plakaford. No retorno um deles avistou o mar pela primeira vez em sua vida e exclamou: “Olha o mar, interessante, ele não é azul, é verde.”  Aquele jovem envolvera-se com más companhias para tentar roubar a empresa do próprio pai deixando o saldo de um funcionário morto. Depois que cumpriu a pena ele tornou-se um homem de bem e continuou na igreja. Isto sim é poesia da vida. Isso, sim, é virar a página.
COMEÇAR DE NOVO

Em dezembro 1914 o laboratório de Tomas Edison (1847-1931) foi totalmente destruído pelo fogo. Mais de dois milhões de dólares foi o prejuízo. Todavia o prédio estava avaliado em apenas duzentos e trinta e oito mil dólares. Como o prédio era de concreto, acreditava-se, àquela época, que ele fosse à prova de fogo. Com as chamas daquela noite foi-se embora anos de trabalho de pesquisa de uma das pessoas mais inventivas que o mundo já conheceu. Com sessenta e sete anos e, a cabeleira toda branca, o cientista observava calmamente a destruição de tudo que possuía. Seu filho, Charles, ficou triste e condoído por ele. Na manhã seguinte, Tomas Edison, olhando para as ruínas declarou: “Há um lado bom nesta desgraça. Todos os nossos erros foram queimados e graças a Deus podemos recomeçar do zero”. E assim se sucedeu. O projeto do fonógrafo, que havia passado três anos tentando inventar, ficou pronto em apenas três semanas após o desastre.

  Jacó enriqueceu sobremaneira em Padã-Arã, terra dos parentes de sua mãe, para onde fora fugindo de Esaú, seu irmão gêmeo. Isso incomodou demais seu ganancioso tio que tentou enfraquecê-lo financeiramente por várias vezes. Mas o Senhor não o permitiu.  Das riquezas de seu pai, Isaque, Jacó nada pode levar durante a fuga. Teve que começar do zero (Gênesis: 30). Tomas Edison, mesmo num valor bem inferior aos prejuízos, ainda recebeu um seguro. Jacó estava seguro nas mãos de Deus, e isso lhe foi o bastante. Com sofrimento, durante vinte anos, trabalhou e, do suor de seu rosto, arduamente, conseguiu adquirir não poucos bens. Que Deus bom!

  Sabemos que não é fácil começar de novo. Muitos desistem de lutar ou recomeçar. Somos fracos. Somos pó. Resiliência, palavra que significa “resistente ao choque”, foi tomada emprestada da física pelo ramo da psicologia por definir eficazmente o comportamento das pessoas que conseguem superar os sofrimentos experimentados, ao longo da vida, transformando-os em motivação para um sucesso ainda maior. Pessoas “resilientes” não deixam que nenhuma experiência negativa intervenha em sua qualidade de vida. Costumo dizer que no “fundo do poço” dessas pessoas tem uma “mola” e, assim, quando elas chegam lá, são projetadas de volta por impulsos mais fortes que elas.                       

A diretora da faculdade em Ibicaraí dizia que eu nunca conseguiria vencer em Salvador. Tentava me amedrontar e me deixar cativa por lá, com aquele “salário” irrisório. Mas eis que depois de todos os percalços estava eu de volta a Salvador, atuando profissionalmente no CAS, minha Canaã terrestre. Cuidando de meus filhos e trabalhando ao mesmo tempo. Todos juntos na mesma escola. Paulo ensinando, eu promovendo o hábito da leitura e meus filhos estudando. Que privilégio! Tinha que saber aproveitar a oportunidade.  Muita coisa boa aconteceu naqueles anos. Das que não foram boas prefiro esquecer. Tudo valeu a pena e, se eu tivesse que reviver aqueles anos, faria tudo igual. Chamo-os de “anos felizes” em que Deus se mostrou para mim como o grande Poeta que Ele é. Nunca me arrependi de ter trabalhado lá.                   

  Meu esposo entrou para a igreja no final de 1989 e prestou relevantes serviços para o colégio. Todavia seu espírito perfeccionista causou-me alguns problemas na adaptação em uma situação até então inusitada para mim: Trabalhar junto com o marido na mesma organização. Não é algo que eu consiga considerar como fácil. Mesmo assim fomos levando por um bom tempo, cinco anos e seis meses, precisamente. Nessa época eu desenvolvi um trabalho no ministério das penitenciárias. Foi uma experiência louvável.
  Construí minha primeira casa  no bairro de Sussuarana Velha, onde minha mãe morava. Fiquei mais perto dela e isso foi importante durante a sua dura experiência de perda da visão do olho esquerdo por um glaucoma. Seus dois últimos filhos, um casal, estavam adolescentes e eu a ajudava, no que podia, a virar aquela página de mulher, já naquela idade madura, mas ainda cuidando de dois filhos adolescentes sem marido ou coisa similar. 

   Era uma época em que a poupança rendia até quarenta por cento ao mês, então, eu e Paulo nos esforçávamos ao máximo para colocar todas as nossas economias na poupança. Religiosamente todos os meses. Ao final de quatro anos fui advertida por um gerente de banco para que eu tratasse logo de fazer alguma coisa útil com aquele dinheiro porque em um ano ele estaria imensamente desvalorizado. Paulo viajou com os meninos em uma quinta-feira e quando retornou na segunda nós já éramos donos de um bom imóvel em uma das melhores ruas do bairro. Não deu para comprar em um bairro melhor como queríamos. O Poeta achou que ainda não era chegada a hora. Mesmo assim foi uma boa compra. Não era um “Aphaville”, mas também, não era um “Alphavella”. Já dava para se ver, ao longe, mas uma virada de página.

domingo, 28 de junho de 2015

29 de Junho de 2015
POR CAMINHOS QUE DESCONHECEMOS
Algumas coisas acontecem em nossas vidas sem que tenhamos poder para evitá-las, e então  enveredamos rumo ao futuro  por caminhos que desconhecemos. Alguns meses depois de estarmos trabalhando no CAS o professor de educação física mais antigo do colégio veio a falecer e Paulo assumiu a coordenação de educação física com um salário razoável.

Falando em salário razoável, não poderia deixar de contar como foi a negociação do meu primeiro salário no CAS. Quando os administradores viram o que estava registrado em minha carteira no último emprego em que eu estivera tomaram um susto e foram sinceros comigo. Afirmaram que não poderiam pagar um salário daqueles a uma bibliotecária. Que tinham outras “prioridades” profissionais para contratação. Cheguei a ouvir de um pedagogo que via meu “sobe e desce” incansável que eu nem me animasse muito porque, apesar de ele me achar muito inteligente eu não deveria desperdiçar  tanto esforço em mostrar serviço porque com tal profissão eu não iria muito longe. Aquela velha história...
Com muita paciência, conversa vai, conversa vem, consegui um meio termo que foi bom para os dois lados.  Nunca mais eu ganharia na iniciativa privada o que ganhara em Itabuna. Mas não foi de todo ruim. Só não gostava quando me chamavam de “marajá” nesse meu novo emprego. Eram tempos em que os contracheques vinham abertos, então...

Puro preconceito contra uma profissão, que segundo alguns, não me ajudaria muito a virar páginas...                                                   


Educação Física - Formandos 1980 (UCSAL)

sexta-feira, 26 de junho de 2015

UM CHEQUE ASSINADO EM BRANCO
Logo nos primeiros dias de trabalho, houve um em especial, que a  coordenadora pedagógica da escola, Luciene, notou meu semblante preocupado e quis saber o motivo. Chegara o momento de revelar minha situação financeira. Àquela altura eu já mostrara serviço. O acervo, embora pequeno, estava bem organizado e com títulos e exemplares suficientes para atender a demanda. Então lhe falei das nossas dificuldades.  Que Paulo não podia voltar para Salvador por falta de condições de nos sustentar apenas com o salário do estado e que não tínhamos sequer dinheiro para o primeiro aluguel da casa. Ao me perguntar qual a profissão dele, ouvindo a resposta ela imediatamente me pegou pela mão e me levou até a presença da diretora. Lembro-me de seu entusiasmo quando entrou na sala com a surpreendente revelação:  “Professora, sabe da novidade, o marido dela é de educação física, já ganhou até um prêmio na televisão como o melhor do ano em 1985”. Era verdade. Em dezembro daquele ano Paulo fora escolhido pela concessionária da TV Globo, à época, como o melhor professor do ano pela sua atuação pioneira, em Salvador, no trabalho com portadores de necessidades especiais. A professora Edite quis saber o que faltava para ele juntar-se a nós e eu, claro, não perdi tempo em lhe colocar a par de nossa realidade. No mesmo dia liguei para o futuro professor de educação física da escola. A princípio ele ficou um tanto incrédulo. Finalmente aceitou, mas aí veio o impasse: Voltar para morar aonde?                                                                                        
Fiquei com o difícil encargo de providenciar um imóvel para alugar e então trazer minha mudança. O problema era conseguir alguém que aceitasse alugar imóvel a uma pessoa com menos de um mês de registro em carteira. A única solução que a imobiliária me apresentou para aceitar fechar o negócio foi à apresentação de um cheque pré-datado com o valor da fiança. Voltei para o trabalho arrasada diante do enorme obstáculo que se apresentava.                                                                                               

Foi aí que entrou a figura do pastor Samuel Küster. Ele chegara há poucos dias para substituir a professora Edite. Vendo-me cabisbaixa no corredor da escola ele me perguntou se eu estava sentindo alguma coisa. Expliquei-lhe o que estava acontecendo. Imediatamente, ele se dirigiu até à sua sala, abriu a gaveta de sua mesa de trabalho e retirou seu talão de cheques entregando-me uma folha assinada sem mais nenhum outro preenchimento. Um cheque assinado em branco!

Todos os dias o Senhor também estende para nós um cheque assinado em branco para fazermos dele o que bem quisermos. Para preenchê-lo como quisermos. O talão é a nossa vida inteira; as folhas, cada dia de nossas vidas; o valor, o livre arbítrio. Como estamos preenchendo este talão? Onde estamos guardando este talão? Se o deixamos a toa é bem certo que há um “estelionatário” de plantão ávido para surrupiá-lo e preenchê-lo com o valor que lhe aprouver.                                                       
Será que não estamos deixando que outros estejam preenchendo essas tão preciosas folhas de nossas vidas com valores divergentes daquilo que seria o essencial para virarmos as páginas certas que nos ajudará em nossa escalada rumo ao céu?             
                                   




quarta-feira, 24 de junho de 2015

AMARGO REGRESSO
Foi um amargo regresso. Tudo o que eu levara para Ibicaraí em eletrodomésticos e eletroeletrônicos tinha sido roubado em um fim de semana em que eu viera em salvador para o casamento de uma das irmãs de meu esposo. Perdi até a geladeira porque os meliantes, por não poder levá-la, furou-lhe o congelador.

Consegui uma casa perto de minha sogra mas eu não tinha dinheiro para a fiança do aluguel e meu esposo não podia voltar antes de conseguir uma escola para transferência estadual. Ele ainda estava recebendo apenas por vinte horas semanais, uma vez que ainda persistia o impasse econômico do governo estadual. O impasse continuava sendo revertido para o povo e seus prestadores de serviços. E como sempre, a educação é um dos segmentos que mais sofre, afinal, existe o pensamento de que “barriga não espera”, mas, que o resto pode esperar. E no meio desse resto lá se vai a educação no meio. Alguns, dos outros segmentos da sociedade agradecem, e muito... E aplaudem!

Logo na primeira semana que comecei a trabalhar no Colégio Adventista vi-me numa situação extremamente delicada. Eu não tinha dinheiro para custear o transporte diário para o trajeto de casa- trabalho-casa. Como pedir dinheiro emprestado a um colega de trabalho ou vale na empresa já, assim, com tão poucos dias de contato? Mesmo sendo a maioria meus irmãos em Cristo, isto me deixou muito acanhada. Lembrem que eu, de início, não quis usar meu momento econômico para angariar colocação profissional. Mas houve um dia em que eu não tinha mesmo mais nenhum centavo. Chovia e logo iria escurecer. Fiquei hesitante na porta principal da escola, criando coragem para pedir dinheiro emprestado a alguém até sair meu primeiro pagamento. Então baixei a cabeça para orar ao Senhor pedindo-lhe que me mostrasse alguém que eu já considerasse como amigo. “Não tem tu, vai tu mesmo”. Penso assim porque Ele me mostrou que o amigo do momento não era ninguém senão Ele mesmo, pois antes de começar a orar Ele me respondeu. Assim que baixei a cabeça vi uma nota de cinco reais na porta interna da saída da escola. Seria uns cinquenta reais hoje? Nem sei. Me perdi na valorização da moeda nacional depois do real. Só sei que peguei aquela nota, levantei--a aos céus e não tinha como não recordar aquele longínquo dia em que achei aquela nota de cinco cruzeiros na porta do Colégio 2 de Julho. É a velha história das experiências repetidas em nossas vidas, mesmo que em circunstâncias diferentes. A essa altura eu já havia me mudado para casa de minha sogra para aliviar a carga de minha mãe onde eu ficara
desde que chegara de Ibicaraí com meus filhos. Mas a benção maior já vinha a caminho para que pudéssemos virar de vez aquela página que não teve nada de “festa no interior”. Pelo menos por enquanto.

A VERDADE ABRE PORTAS

“Os que confiam no Senhor são como o monte de Sião, que não se abala, firme para sempre” Salmos 125:1

Um caso trabalhista julgado em 19/10/99, pelo 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, analisou como improcedente a ação de indenização movida por um ferramenteiro contra sua antiga empregadora. Embora já aposentado, ele alegava perda de capacidade laboral em decorrência das condições hostis do ambiente de trabalho muito ruidoso, o que teria lhe causado uma lesão auditiva. O perito judicial, em bem elaborado laudo, aliado ao exame complementar, constatou que as sequelas detectadas não haviam gerado a alegada doença incapacitante. Ficou comprovado que a empresa observava todas as normas vigentes de segurança do trabalho.

Diante do caso relatado vejamos o que diz um consultor de empresas da revista que serviu de fonte para este texto. Ele é advogado, já foi promotor, procurador de justiça e especialista em Direito Acidentário do Trabalho: “É comum, empregados que trabalharam em outras empresas, com exposição a determinados agentes nocivos, alegarem a existência de doenças do trabalho contraídas apenas na última empregadora. São reivindicações baseadas em mentiras.

O apóstolo Paulo, quando Inquirido pelo rei Agripa, defendeu-se das acusações que lhe eram imputadas pelos judeus (Atos 26:1-32). Dentro da verdade, sem nada encobrir ou aumentar, o apóstolo deixou-o a par de todos os acontecimentos de sua vida ante e pós-conversão. Não buscou o favor do rei por meios de palavras evasivas. Se tivesse que ser agraciado pela justiça, que esta viesse permeada por defesa alicerçada nos fatos reais que sua vida abnegada estava lhe proporcionando, e não doloso a fim de conseguir um veredito a seu favor. A verdade é a nossa maior arma e a nossa melhor defesa. E se ela, mais cedo ou mais tarde sempre aparece, para que nos arriscarmos a sofrer constrangimentos e manchar nossa reputação inutilmente. Paulo não teve medo de falar a verdade diante de um rei terreno. Não devemos temer em pautar a nossa vida diante da verdade seja qual for a forma com a qual ela se apresente. Deus nos guardará.

No final de janeiro de 1989 comecei a me inquietar para voltar para Salvador. Em uma das vezes em que fui à capital para resolver pendências no Conselho Regional de Biblioteconomia aproveitei para indagar à secretária do órgão se ela não sabia de algum trabalho em Salvador. Ela respondeu dizendo que não e, ao me despedir com um Até logo e Jesus lhe abençoe, ela imediatamente me interpelou: “Ah, Isabel, não é você que tá com um lance aí de ser ‘crente’?” Quando respondi afirmativamente veio a surpresa. Ela me disse: “Olha, tem uma escola em Nazaré que está precisando de bibliotecária e nos pediu para tentarmos arranjar uma que fosse crente (contexto da época, hoje isso já foi superado). No mesmo instante corri em direção ao endereço que ela me deu. Quando saltei na ladeira do Hospital Santa Izabel nem quis acreditar quando vi o letreiro bem grande: Escola Adventista de Salvador. Oh, Glória! Apresentei-me na portaria e fui conduzida até a sala da diretora, Edite Pires, a qual me perguntou qual era a minha procedência. Ao lhe dizer que minha mãe tinha sido zeladora da Igreja Adventista Central de Salvador ela foi categórica: “Se você for bibliotecária como sua mãe era zeladora, ótimo, porque a procedência é boa.” Naquele momento eu não me envergonhei da minha origem humilde e como diz a palavra do Senhor: “Porque todo que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado”. Lucas 18:14.

No dia seguinte retornei à Itabuna para sondar as perspectivas de futuro na prefeitura de lá. Eu já estava na segunda semana de trabalho e ninguém sabia me dizer quando nem quanto eu iria receber salário. Era tudo solto e muito vago. Já estava no décimo quarto dia de trabalho e nada de contrato. Nem sequer fui apresentada ao prefeito. Assim, no final de março de 1989 peguei a transferência de meus filhos juntei algumas roupas e voltei para Salvador de “mala e cuia”. Minha mãe tomou um susto quando me viu. Retornei para virar aquela página de minha vida recomeçando literalmente do zero.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

TERRA DOS OUTROS É TERRA DE NINGUÉM

Passamos muitas dificuldades em Ibicaraí. Terra dos outros é terra de ninguém. A princípio ninguém confia em você; ninguém lhe abre portas; ninguém se achega a você, assim, do nada. Ainda mais no interior onde sobrenome e ascendência familiar são mais importantes e os preconceitos imperam, sejam eles sociais ou raciais. Este último principalmente. As famílias, então, têm elos intermináveis.  Chegamos a Ibicaraí em março de 1987. Como eu era uma estranha no ninho, para fazer contatos, dependia de meu esposo que era mais popular. Principalmente por fazer parte da turma que se reunia frequentemente para colocar em dia seus hábitos etílicos. Isso me perseguiu sobremaneira. Com a carga horária super reduzida em seu emprego público como professor o tempo  que lhe  sobrava era também o seu algoz. Mesmo assim, por sua multicompetência em esportes conseguiu lugar como técnico da seleção de futebol da cidade enquanto a faculdade onde foi dar aula não inaugurava. Como nunca abri mão de dar educação de qualidade aos meus filhos, mesmo com todo sacrifício matriculei-os na Escola Adventista da cidade. Também consegui uma bolsa em um curso de inglês para minha filha então com seis anos.

Só em agosto daquele ano enxergamos uma luz no fim do túnel quando, em visita a colegas em Itabuna, meu esposo solicitou-lhes indicação para mim em uma escola de grande porte da cidade. Conseguida a entrevista fui dois dias depois do dia marcado. Primeiro precisava conseguir o dinheiro do transporte.  Engraçado, para não dizer triste, foi ouvir de alguém que assistiu àquela cena a frase de que “quem vencia na vida sob muita petição deixava para trás sempre um rastro de humilhação”. Falar é fácil...         Mesmo quem nasce em berço esplêndido precisa de alguém para alguma coisa nem que seja uma vez na vida.

Quando cheguei à escola a pessoa responsável pela biblioteca havia falecido e a direção já estava entrevistando candidatos sem formação na área. Fui contratada imediatamente e perdi a oportunidade de receber um salário ainda maior porque quando a contratante me perguntou sobre a minha pretensão salarial eu pedi  metade do que realmente pretendia pedir. Mas tarde ela me confessaria que me pagaria até o dobro porque a biblioteca abrigava dois acervos distintos e mais um memorial.                                                                     
A rotina era estressante. Se eu fosse pagar passagens de ida e volta diariamente, via rodoviária, metade do salário seria dispendido em deslocamento. Então eu me juntava aos moradores da cidade que trabalhavam ou estudavam em Itabuna ou Ilhéus e que ficavam todos os dias, a partir das cinco da manhã, na saída da cidade a espera de carona solidária. Assim, contava com a ajuda de moradores locais que ao passar iam “catando” os amigos.

Eu deveria chegar às oito da manhã em ponto no trabalho. A madre superiora não admitia atrasos o que eu às vezes não conseguia. Largar as onze e trinta para chegar às duas da tarde em Ibicaraí para trabalhar na Academia Superior de Educação Montenegro fazia de mim uma malabarista. Mesmo assim eu tinha o maior prazer de trabalhar nas duas cidades ao mesmo tempo. Aquilo me dava uma sensação indescritível de garra, força, fé e coragem. Apesar de todo o esforço e desprendimento que me era exigido vivi aquele momento profissional com muita intensidade. Foi uma grande oportunidade que Deus me deu. E aproveitei o máximo que pude. Tive que agir como um acrobata que não pode perder o segundo preciso de pegar no ar o balanço que lhe é atirado pelo outro acrobata nas apresentações circenses.

Entretanto, enquanto as coisas estavam começando a se acertar para mim, pelo menos do ponto de vista profissional, para meu esposo as coisas iam de mal a pior. A faculdade não saia do papel, o salário do estado mal dava para pagar as contas e, para desanimar ainda mais, uma jovem que eu havia levado de Salvador não quis mais saber de morar no interior. Voltou para capital e foi difícil encontrar alguém para substituí-la. Com o racismo evidente sempre me diziam: “Ninguém gosta de trabalhar para negro”. Houve um caso em que a profissional disse-me isto em pleno rosto. Que preferia ganhar menos com outra família por ter vergonha de trabalhar para negros.

Em dezembro de 1988, um ano e quatro meses depois de contratada fui demitida da Ação Fraternal. Não consegui levar adiante o fator assiduidade. Era muito cansativo e temia deixar meus filhos sozinhos com pessoas estranhas. Não tínhamos nenhum parente por perto para acompanhá-los e ainda tinha um agravante. Minha filha, então com sete anos, chorava demais quando eu saia. Cansei de voltar do caminho, pois eu não aguentava ouvir-lhe os gritos: “Socorro minha mãe, pelo amor de Deus não me deixe.” Que mãe aguentaria. Tivemos até um convite para a Bélgica onde meu esposo teria a chance de trabalhar como preparador físico, mas não deixei que ele levasse a ideia adiante. Tive medo de me jogar sozinha com três crianças pelo mundo a fora. Digo sozinha porque nessas empreitadas da vida a mulher é quem sempre sobra.  Sobrar no interior da Bahia era uma coisa, agora na Europa eu não quis pagar para ver. E não me arrependo, sinceramente. Permanecemos em Ibicaraí até março de 1989. Foram dois anos cravados. Ainda cheguei a aceitar um convite para trabalhar na Biblioteca Municipal do Espaço Cultural de Itabuna (fevereiro de 1989), mas só fui durante quinze dias porque então aconteceu algo maravilhoso em minha vida que iria me ajudar a virar, rapidamente, mais uma página...



quinta-feira, 18 de junho de 2015

 O primeiro ano do resto da minha vida... profissional

“Nada temos que temer quanto ao futuro a menos que nos esqueçamos de como o Senhor nos conduziu no passado”.

Durante a perfuração de um poço de petróleo são usadas  grande variedades de brocas. Elas são fabricadas para cada tipo de formação e diâmetros de poços. Estão classificadas quanto à sua dureza e conseguem perfurar formações moles, médias e duras além de todas as formações intermediárias entre elas. A função delas é a de triturar o fundo do poço. Interessante é saber que, durante esse processo de trituração das formações rochosas, essas ferramentas possuem dentro de sua estrutura peças chamadas de “jatos”. Esses jatos exercem a função de conduzir a lama de perfuração com impacto suficiente para que, ao mesmo tempo em que for perfurando, também venha arrastando os cascalhos para a superfície mantendo o fundo limpo.

Incrível como Deus também realiza o mesmo processo conosco. Só Ele é capaz de enxergar em meio a uma lama preta de pecado inundando o fundo rochoso de nosso coração de pedra, algo que possa ser agregado algum valor. E, também, só Ele é perfeitamente capaz de triturar esse terreno pedregoso, na medida certa, independente de sua intensidade, ao mesmo tempo em que vai retirando os cascalhos para superfície mantendo limpo o fundo dos nossos corações. Esse é o precioso trabalho do Espírito Santo em nossas vidas. Esse foi especificamente o trabalho que o Senhor teve que desempenhar em minha vida durante os sete anos em que fiquei em casa cuidando de meus três filhos enquanto corria daqui e dali a procura de um emprego em minha profissão. Nesse período eu passei por um processo de aprimoramento da fé. Digo aprimoramento porque fé em Deus eu já tinha.  

Muitos tentaram me desanimar desfazendo de minha opção profissional. Achavam que nessa profissão eu não iria a lugar algum. Isso já foi comentado. Tentei ensinar, mas só consegui atuar como professora primária durante um ano letivo (1984). Fui a primeira professora de minha filha. Jardim de infância para mim era uma tortura. Além de não ter aptidão para trabalhar com crianças ainda me faltava a formação necessária. Ensinei na Escola Adventista de Amaralina, em Salvador. Naquele tempo não havia a obrigatoriedade de possuir formação na área de ensino.               
 

Já estava formada desde fevereiro de 1982 quando, em março de 1989, surgiu a primeira oportunidade  para trabalhar como bibliotecária. O convite veio da proprietária de uma faculdade de pedagogia e educação física que precisava de um profissional habilitado para preparar o acervo da biblioteca, para avaliação do Ministério da Educação e Cultura (MEC),  em Ibicaraí, sudoeste da Bahia.

Eu não pensei duas vezes para aceitar o convite que veio casadinho. Eles precisavam de um professor de educação física e de uma bibliotecária. Meu esposo pediu demissão em um colégio de grande porte em que trabalhava em Salvador e fomos embora.

 Vale lembrar que, àquela época, a minha profissão era tão predominantemente feminina que ninguém solicitava um bibliotecário (a) como hoje. Não fiz os acertos financeiros previamente e ao chegar lá foi-nos alegado que, como a casa em que morávamos era da escola, eu teria que aceitar uma quantia, que todos unanimemente consideraram irrisória, como pagamento. Naquele momento não tive alternativa. Metade de um salário mínimo era o que eu recebia mensalmente. Foi uma época muito difícil. Meu esposo já era professor lotado na Secretaria de Educação, mas teve o salário drasticamente diminuído no governo do então gestor, Waldir Pires, que, em querelas políticas com seus predecessores, deixava os servidores em situação que ia de mal a pior. Mesmo assim persisti por dois longos e sofridos anos na ânsia de virar a página no quesito “profissional formado e fora do mercado de trabalho”. 

quarta-feira, 17 de junho de 2015

GRANDES MUDANÇAS
“E conhecereis a verdade e a verdade, e a verdade vos libertará” João 8:32

A conversão de minha mãe foi um grande marco na minha história. A partir daí muita coisa mudou nas nossas vidas e em nosso relacionamento. Desde 1978 ela já era membro ativo da Igreja Adventista do Sétimo Dia mais muitos, até então, não tinham levado muito em consideração essa nova fase de sua vida. Só quando passei a ter minha própria família e religião prática é que isso começou mudar de significado para mim. Comecei a inquietar-me com o meu próprio eu. A esta altura minha mãe começava a conquistar nosso respeito. Mesmo assim muito caminho ainda teria que ser percorrido até ela deixar de ser vista como uma mulher que tinha cinco filhos, cada um de pai diferente e com apenas um reconhecido pelo pai biológico. Todavia sua reforma de vida deixando o tabagismo, alcoolismo e a vida amorosa inconstante chamou a atenção de todos os que a conheciam. A transformação era nítida. Eu a procurava sempre que podia. O elo materno não se quebrou e isso foi muito importante para o meu futuro. No momento certo ela me deu apoio e conselho para que eu não resvalasse para uma vida igual a que ela tivera no passado.                                                       

No entanto, quanto ao restante da família, ao me converter cinco anos mais tarde, passei pela mesma experiência que ouvi de uma irmã que conheci em uma igreja no Itaim Paulista em São Paulo, capital. Das histórias que ouvi a que mais me tocou foi a de uma irmã que lamentou com pesar a rejeição que vinha sofrendo por parte da família depois de sua conversão. Os familiares deixaram de incluí-la em determinados eventos e isso a magoava muito. É comum isto acontecer. São raros os conversos que não passam por essa dor de ver seus, outrora amigos e parentes, volver-lhes as costas por diferenças religiosas. Eu sei bem o que é isso. É um preço a pagar. Mas vale pagá-lo. No início, logo quando nos convertemos, ainda não sentimos o baque porque muitos ainda duvidam da durabilidade da conversão. Porém, à medida que o tempo passa e percebem que não é um arroubo passageiro, essas situações tendem a se intensificar cada vez mais. Pouco a pouco você deixa de ser incluído nessa ou naquela cerimônia e, quando pensa que não, já está de fora de quase tudo.                                             

 Jesus sabe muito bem o que vai à alma dessa gente sofrida que se vê a cada dia mais e mais esquecida da família por causa de sua fé. Quando Ele diz que “eis que estou à porta e bato” (Apocalipse. 3:20) clama por um coração que pulsa graças ao seu consentimento, mas que não O reconhece como autor e mantenedor dessas pulsações e como o autor e mantenedor desta vida. Para os que nos rejeitam por causa de Cristo somos tidos como loucos e fracos. Todavia chegará a hora em que todos reconhecerão o poder que tem o evangelho em transformar vidas não só como a de minha mãe, mas também como a de qualquer um que queira fazer prova deste Poder para virar as páginas da vida.  






terça-feira, 16 de junho de 2015

ÉRAMOS CINCO
Quando Juninho adormeceu já fazia oito meses que eu estudava a Bíblia com uma amiga de minha mãe, professora Leda. Foi daí que tirei forças para prosseguir. A vida seguiu seu curso e eu consegui retomar a minha de onde alguns pensaram que ela havia parado.                                                                                                                              

Após um período de depressão reativa, normal depois de grandes perdas, minha vida, aos poucos, voltou a fluir intensamente como sempre foi a característica do meu viver. Assim tive mais dois filhos. Thiago nasceu em dois de agosto de 1983. Nove meses e três dias depois da morte de Juninho. Leandro a três de fevereiro de 1985. Não foi para substituir o que eu havia perdido. Essa atitude de ter um filho para substituir outro que se foi não existe porque ninguém ocupa o lugar de ninguém na vida de alguém. Cada um ocupa o seu próprio lugar no coração de quem o ama. Meu sonho era ter uma família estruturada. No mais eu sei que verei meu filho novamente quando Cristo vier em sua glória para nos resgatar. Nisto creio.
                                                                                                                          

Para encerrar esta fase difícil e dolorida gosto de me lembrar de uma frase que me foi dita no ato daquela perda. “Amiga, não se desespere pois existe coisa pior do que a morte”. Confesso que na hora eu não entendi e fiquei muito magoada com aquela tentativa de consolo. No entanto, os anos seguintes iriam me revelar que esta era a mais pura verdade!                                                                          


Naqueles dias, e por algum tempo, em nossa casa, seríamos cinco. E com minha nova formação familiar eu prossegui virando a página.




segunda-feira, 15 de junho de 2015

O BERÇO VAZIO

Em 20 de fevereiro de 1980 nasceu nosso meu primeiro filho. Demos o mesmo nome do pai. Deixar a maternidade sem meu filho nos braços não estava nos meus planos. Nem está nos planos de nenhuma mãe. Foi horrível. Dormi a primeira pior noite de minha vida. Ao acordar ele não estava no berço que eu tão ansiosamente preparara para ele. Tivera que passar alguns dias a mais na maternidade. Nascera com icterícia.        

Dois anos e oito meses mais tarde, voltar do hospital sem meu filho fez-me passar a segunda pior noite de minha vida. Seria uma simples cirurgia de fimose, mas um choque anafilático provocado pela anestesia geral, antecipou-lhe o sono mortal. Minha irmã, a que nascera depois de mim, à época já estudava medicina e estava comigo naquela hora difícil. Ninguém está preparado para assistir a morte de um filho. Ninguém se prepara para a morte de um filho. Mas Deus, em sua infinita sabedoria, se preparou para um dia como esse. Naquele dia, no Monte do Calvário, Ele cumpriu o que prometera desde a fundação do mundo. Entregou seu único Filho para salvar a humanidade. Uma humanidade perversa que não merecia tamanho sacrifício. Naquele dia, no Monte do Calvário, o Senhor arriscou passar pela mesma dor que eu passaria um dia. Jesus também passou pela dor da morte. Conheceu de perto e na própria carne aquela que é considerada o nosso “último inimigo a ser derrotado” (I Coríntios 15:26). E esta é a nossa grande esperança: “Sabendo que o que ressuscitou no Senhor Jesus nos ressuscitará também por Jesus” (II Coríntios 4:14). Por isso não devemos entrar em pânico e ficarmos aquartelados, isolando-nos do mundo por medo dos acontecimentos. Tanto os que nos advém, quanto  os que são evidenciados nos noticiários. Tampouco negarmos ao nosso ser a faculdade de decidir pela continuação de nossas vidas.             

E foi assim que eu tomei meu “cajado” e parti para dar prosseguimento à continuidade da minha família que, naquele instante, estava composta por meu esposo, minha pequena Larissa, então com um ano e quatro meses, e eu. Mas, para meu consolo, se um berço estava vazio em minha casa, a cruz do Calvário também estava...

Como diz o apóstolo Paulo em sua carta aos Filipenses 3:14 : “[...] uma coisa faço e é que, esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que o adiante de mim estão,  prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.”

E foi pensando dessa forma, que eu ergui a cabeça e virei mais uma página. E que página!

domingo, 14 de junho de 2015

AINDA A TAL DA ESTATÍSTICA!
 Fiz meu primeiro vestibular, para ingressar na Universidade Federal da Bahia na turma de 1977. Meses antes, um amigo da família, estudante de engenharia, aconselhou minha tia para que ela me convencesse a desistir. Justificou sua opinião dizendo que pelo meu histórico de escolas deficitárias na maior parte de minha vida escolar, eu não teria a mínima chance de êxito. Minha tia não lhe deu ouvidos. Acatando em parte a opinião, deixei de lado a opção de fazer o curso de psicologia, mais concorrido e, optei por um de menor concorrência, Biblioteconomia. Quando souberam que seriam cinco para cada vaga ainda acharam muito...

No dia em que saiu o resultado, após ter contabilizado a pontuação final, para surpresa geral, eu havia alcançado uma soma que, além de permitir entrar tranquilamente no curso que escolhi, daria até para o que eu havia preterido. Entrei nessa universidade e contrariei as estatísticas que só prevalece na mente daqueles que desistem de si mesmo e não conseguem virar a página.     

Anos depois, já formada, tive um colega de trabalho, de outra profissão, que após um diálogo informal disse-me sem cerimônia: “Eu te acho muito inteligente, mas, é uma pena que você não poderá ir muito longe com essa profissão”. Para mim nascia outro desafio desde que decidi trilhar este caminho profissional. É que, de geração a geração, o deslumbramento pelo título de doutor apoiou-se na teoria, exaustivamente repetida entre as famílias brasileiras, de que formaturas respeitadas e socialmente reconhecidas eram as de medicina, direito e engenharia, necessariamente nesta ordem, pela automática inserção do título de doutor na vida social do formado. Mesmo que legalmente, para algumas profissões, o título não estivesse atrelado ao bacharelado. Quantas vezes, quando algumas pessoas me perguntavam o que eu estudava ao terminar elas franziam a testa e me interpelavam: Biblio o que?                                                      

Meu primeiro ano na faculdade foi excelente. Obtive as melhores notas em todas as avaliações e em todas as disciplinas. Mas no segundo ano, mais precisamente no quarto semestre, em 1978 alistei-me como participante do Projeto Rondon. Jovens universitários que desenvolviam tarefas solidárias em regiões carentes por todo o país. Comecei pelo interior da Bahia e fiz minha última participação em Santarém Novo no estado do Pará em 1979. Nesta ocasião eu conheci Paulo, meu esposo. Larguei a família dos outros para formar a minha. Queria ter meu teto. Éramos estudantes, cheios de sonhos e ilusões. Sair de casa para fugir da família. Esse filme é velho. O roteiro por demais conhecido.

Solidário com minhas dificuldades, meu chefe no estágio na Universidade Federal da Bahia, Mário Guimarães de Mendonça Camões, conseguiu me incluir por mais alguns meses no programa de estágio, em um projeto de microfilmagem da UFBA, e também autorização para almoçar no restaurante universitário. Grande figura. Nunca vou esquecer o gesto humanitário daquele homem. Grande coração. Também se não fosse a família de Paulo nós não teríamos conseguido chegar muito adiante. Dois estudantes sem emprego fixo, vivendo de crédito educativo. Só eu mesmo. Ainda se não bastasse em dois anos nós já tínhamos dois filhos.

Como Paulo tinha uma família bem estruturada e alicerçada senti o terreno firme para conduzir minha futura família. Era tudo o que eu precisava naquele momento. Minha mãe, então, já liberta do álcool e, como membro ativo da Igreja Adventista do Sétimo Dia, partia para uma reviravolta em sua vida. Ainda sofria necessidades, mas a esta altura já conseguira um emprego como zeladora de escola na Secretaria de Educação do Estado da Bahia em uma escola anexa ao 19º BC. Finalmente a vida lhe sorria. Mas a pobreza ainda a cortejava. Era triste vê-la, já com a idade madura, abaixo e acima com duas crianças dependuradas atrás de si.  Ainda necessitando da ajuda da família e sem ter conquistado o tão almejado respeito, já que mudara de vida.

Eu andava cerca de seis quilômetros por dia (ida e volta) da Barra até o bairro do Canela para frequentar as aulas. Depois me mudei para a Garibaldi. A pé fiz meu restante de curso. A pé fui para minha formatura em fevereiro de 1982 que teve que ser sem solenidade. A pé, eu seguia, virando a página!         

sexta-feira, 12 de junho de 2015


CONTRARIANDO AS ESTATÍSTICAS
 O cantor, apresentador e empresário João de Paula Neto (Netinho) disse, certa vez, quando entrevistado  em um programa de televisão: “Eu contrariei as estatísticas!”  Afirmou isso referindo-se ao seu histórico de criança pobre que aos sete anos já vendia doces na estação de trem e que perdeu a mãe aos onze. Com esta frase chamou a atenção do público mais jovem para o fato de que, mesmo vindo de uma classe que se amontoava na periferia de uma grande cidade para a qual, segundo os estudiosos, não havia esperança de um futuro melhor que, assim como ele havia conseguido, outros também poderiam conseguir.                                                                                                  
Em 1976 comecei a entender que eu também contrariava as estatísticas. A esta altura do “campeonato”, na estrada que até então eu percorrera, minha mãe já havia acrescentado mais um casal de irmãos menores à sua prole itinerante. Ambos, também, de pais diferentes só para efeito de repetição histórica. Talvez para que, assim, no futuro, ninguém viesse a se vangloriar de seus perfis genealógicos. Quem sabe? O certo é que naquele momento eu já tinha uma irmã dezesseis anos mais nova e mais um irmão dezoito anos mais novo que eu. Era um pacote completo para minhas preocupações, pois eu me sentia impotente para ajudá-los. Ao ver minha mãe morando em um barraco de pedaços de tábuas e compensados nos fundos de um terreno doado, na periferia, com dois filhos pequenos sem marido ou “coisa similar” e, lavando roupas para mais de uma dezena de famílias, ficava ainda mais triste e amargurada.
Antes disso, ela mudava-se frequentemente  a procura de moradias em bairros cada vez mais distantes do centro por não ter dinheiro para honrar seus compromissos com aluguéis. Isso dificultava cada vez mais as minhas estratégias em burlar a vigilância para vê-la. E o mais triste ainda era ter que sentir seu ar de descontentamento toda vez que eu ia visitá-la e não levava uma companhia que lhe dava alento para tanta pobreza e necessidade: “Ela sempre me perguntava nessas ocasiões: “Por que não trouxe sua irmã?”. Embora aquela pergunta me deixasse um tanto constrangida eu, de vez em quando, reforçava as estratégias para levá-la comigo. Via aqueles olhos serem tomados de um brilho ao qual eu não estava acostumada e isso me causava muito desconforto. Mas agora eu entendo. Hoje eu sei que, a mim, ou de uma forma, ou de outra, ela sempre teve por perto. E eu sempre repetia a operação porque sabia que isso a fazia feliz. Eu fazia tudo também na esperança de vê-la sem motivos para continuar no hábito que a dominava, o alcoolismo. Seu consumo de álcool de forma  desenfreada me afastava ainda mais de seu convívio e isso foi motivo de muitos desentendimentos entre nós.
Quando aos dezenove anos eu quis largar tudo para trabalhar e ajudá-la    meu primo, como já registrei, aconselhou-me que, na continuação dos estudos, eu teria mais condições de ajudá-la no futuro. Ele sempre repetia uma frase do livro Fernão Capelo Gaivota: “Quem voa mais alto, vê mais longe”. Desta forma ele me garantia que naquele momento eu só conseguiria uma ajuda paliativa que seria tanto ruim para ela quanto para mim no tocante ao futuro.  Mais tarde a vida me confirmaria isto. Desacelerar o futuro para viver um presente, por causa de pequenos frutos, é jogar fora a oportunidade de colher nos  grandes pomares que a vida nos reserva lá adiante. A frase é minha, mas pode copiar.
Toda vez que eu ia visitar minha mãe saía de coração cortado. Do que eu conseguia dando aulas para algumas crianças vizinhas, cujos pais confiavam em mim, eu levava alguma coisa. Mas era pouco. Meu irmão mais velho ia segurando as pontas com seus ganhos, porém, casou cedo e minha mãe teve que se virar sozinha. Ele continuou ajudando, mas com sua própria família aumentando a cada ano já não era mais a mesma coisa.

Ao vê-la morar em um lugar quase nos fundos de uma penitenciária em meio a uma comunidade salpicada de marginalidade, passando todo tipo de provação e necessidades, só mais tarde entendi que diante do que meu irmão mais velho e meus dois irmãos menores passaram ao lado de minha mãe “eu era feliz e não sabia”. E assim, mesmo sem o saber, eu seguia virando a página.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

AMIGO TEM CINCO LETRAS
 Em certa manhã de domingo, fim de verão, em um parque de diversões, fiquei observando uma garotinha aproximar-se com o pai. Enquanto ele desenvolvia uma conversa ao celular a criança corria alegremente em direção a uma gangorra. De repente, noto em sua face um olhar interrogativo que ia de um lado ao outro do parque. Sentada de um lado da gangorra faltava-lhe, do outro lado, alguém para dar sentido àquela diversão. Com o assento apoiado ao chão ela aguardou pacientemente até que chegou uma companheira. Quando esta apareceu pouco brincou e, logo se cansou, deixando-a sozinha novamente. Novo olhar de procura. Neste momento, o pai, que já desligara o celular, percebendo a angústia da filha, correu ao seu encontro e sentou-se do outro lado para dividir a gangorra com sua “cria”. Ao contemplar esta cena lembrei-me de que, em minha adolescência, não poucas vezes eu supliquei a Deus que me enviasse alguém para me ajudar a dividir a “gangorra” da minha vida comigo.                            

Em 1971 isso se realizou na pessoa de Marise, uma jovem amiga da família que perdeu a madrinha que a abrigava e veio morar conosco. A presença de Marise trouxe um alento para minha vida durante todo o tempo em que ela morou conosco. Até então, eu que sempre estivera sem uma pessoa para dividir meus segredos, finalmente tinha alguém para dividi-los juntamente com minhas mágoas e minhas tristezas. Mas durante o tempo do desenvolvimento de nossa amizade tenho mais alegrias que tristezas para recordar. Posso afirmar sem duvidar que foi a melhor fase da minha juventude. Ela entendia tudo o que eu sentia. Ter alguém jovem em casa, além de mim, fazia muita falta.                                                                                                                    

Dividimos muitas histórias interessantes juntas, mas, a que gosto mais de recordar era o papel social que nós representávamos naquele nicho: Quando havia um convite para algum evento social, fosse aniversário ou similar, e ninguém da casa queria ir, então eu e Marize, éramos autorizadas a comparecermos como legítimas representantes da família como nós mesmas, ironicamente, nos intitulávamos. Na maioria das vezes até que nos tratavam razoavelmente bem. Mas houve uma festa que ficou inesquecível para nós. Foi no bairro de Brotas. Passamos boa parte da festa completamente ignoradas.  As bandejas eram alçadas ao alto quando chegávamos perto. Até que mais tarde meu primo, filho legítimo da família, chegou à festa e, informado do que estava acontecendo, confirmou com a dona da casa a legitimidade da nossa presença. No dia seguinte um dos familiares foi lá em casa desculpar-se pessoalmente com meu tio, marido de minha tia, pelo desagradável acontecimento. Meu tio era um homem muito estimado por todos pela sua conduta irrepreensível dentro e fora de casa.

Marise constituiu família e eu também segui meu rumo, pois viver era preciso. Mas, até hoje, ela faz parte de uma fase da minha vida que vale a pena recordar. Amigo tem cinco letras. Dá para formar uma mão e, como uma mão lava a outra, tê-la como amiga me ajudou muito naquela fase de incertezas da juventude. Também, sempre a cada tempo em minha caminhada, o Senhor tem providenciado a pessoa certa na hora certa para me acompanhar e me ajudar a virar a página.



quarta-feira, 10 de junho de 2015

EU, HIPPIE?

Neste trecho eu gostaria de lembrar algo me marcou entre os anos 60 e 70. Andando pelas ruas, eu não entendia o que queria dizer aqueles bandos de jovens desgrenhados e esfarrapados (pelo menos aqui em Salvador), em um momento, sentados nas praças; já em outro perambulando pelo centro da cidade; ou formando comunidades que levavam o pomposo nome de “sociedade alternativa” por onde formavam um estilo de vida comunitário que alguns traduziam como uma espécie de socialismo libertário. Eram os “hippies”. Movimento de apologia ao amor e ao desprezo pela guerra e outras identificações ideológicas e filosóficas. Seus motes: “Make love not war” (Faça amor não guerra), “Paz e Amor” e etc., assenhorou-se de cérebros em todo o mundo. Uma ideologia que teve sua origem entre os jovens norte-americanos contrários à participação dos Estados Unidos na guerra do Vietnam e outras guerras. Por fim, encontrou eco entres pessoas que nem sabiam contra o que estavam se rebelando. Lá, certos ou não, eles tinham os seus motivos. Estavam envolvidos em guerras insanas que ceifavam vidas e esperanças de centenas e mais centenas de jovens. Famílias enlutavam-se perdendo seus frutos mais queridos. E os outros jovens ao redor do mundo, o que tinham a ver com tudo aquilo? Vejamos o que diz a página 194 de “Mensagem aos Jovens”, da escritora Ellen G. White: “O homem pode moldar as circunstâncias, mas não deve permitir que as circunstâncias o molde a elas.”            
Acompanhando o desenrolar da vida de muitos contemporâneos meus que se deixaram envolver por aquela fantasia o que mais me deixava intrigada era vê-los criticar severamente a sociedade capitalista, para depois, formar grupos de artesãos que tentavam sobreviver vendendo o resultado de suas produções manufatureiras dependendo, assim, do fruto do trabalho desse mesmo capitalismo que eles viviam vociferando contra.                                                                                                                                 O final dessa história: Quando o “sonho acabou” os que pertenciam a famílias abastadas voltaram para seus “berços de ouro” ricamente acolhedores. Quanto aos que provinham das classes menos favorecida, muitos, até hoje, amargam penosamente as perdas. E que perda preciosa. O tempo. Os ricos voltaram aos estudos e recuperam o tempo perdido vindo a suceder seus pais do alto de suas cadeiras empresariais, ou, em outras  atividades lucrativas  diversificadas.                                                                        Quanto aos pobres, os que não se enquadravam no rol dos filhos pródigos de pais abastados, muitos deles sofrem, até hoje, as consequências daquela caminhada.       Perdi muitos colegas de escola e amigos de ruas vizinhas que seguiram por este caminho e hoje não gosto do que vejo do resultado de suas vidas.                        
 Apesar de alguns naquela época terem alertado minha tia de que eu a qualquer momento corria o risco de aceitar um convite de um deles, digo com toda certeza que em nenhum momento jamais passou isso pela minha cabeça. Eu, hippie? Nem pensar! Mesmo porque, para mim, a imagem da pobreza desamparada só parece, e aparece bonita, através das lentes de fotógrafos renomados, cujas exposições atraem ricos admiradores.
Disto também o Senhor me protegeu e dessa atitude eu passei longe, BEM DE LARGO. E virei a página!








terça-feira, 9 de junho de 2015

“ACIMA DA MEDIOCRIDADE”

Em 1970, depois da breve passagem pela Escola Senhora Santana, por não ter conseguido vaga no estado em 1969, voltei para a escola pública do bairro onde terminei o ginásio, Colégio Edgard Santos. Fiz o ensino médio no Colégio Central onde vivi uma experiência desgastante em 1976, ano de conclusão do curso científico, como era designado naquela era.  Criaram um projeto chamado CIENA – uma fatídica experiência onde juntaram o Central (aulas de Exatas), Severino Vieira (Letras) e Teixeira de Freitas (Humanas). E foi aí que a coisa desandou. Muitos professores insatisfeitos com a invenção simplesmente abandonaram o barco e não apareciam. E nós, os “ratinhos de laboratório”, ficávamos para baixo e para cima gastando dinheiro com locomoção atrás de aulas que raramente existiam. Sem falar dos que se locomoviam a pé. Só tive uma vantagem na área de educação nesse período. Entre os professores que honraram seus compromissos teve uma nota dez: Élida, de geografia. Ela, e alguns outros, fizeram valer aquele projeto. De outros não tenho nem como lembrar. Revoltados com o programa nunca apareceram. Passamos em algumas disciplinas com notas inventadas. Não tivesse o hábito da leitura desenvolvido não teria chegado a lugar algum. Muito do que aprendi consegui através da minha voracidade em ler.
 

Essa amarga experiência deu lugar para que aqueles “videntes da educação”,  amigos da família, voltassem a profetizar como lá em 1967. Não deixe fazer vestibular porque ela não está preparada e não vai passar. Disseram a minha tia que ela só ia gastar dinheiro e perder tempo comigo e que o melhor a fazer em meu caso era arranjar um emprego em uma loja qualquer para que eu começasse a trabalhar para ajudar minha mãe. Eu me empolguei com a ideia, mas, o filho dela que já estava no terceiro curso na Universidade Federal da Bahia, tratou logo de intervir. “Vai fazer vestibular sim. Se você começar a trabalhar em qualquer coisa agora vai tomar gosto por dinheiro e vai se acostumar a viver uma vida medíocre.” Ele amava esta palavra. Como professor ele dizia que aluno que só passava, conforme se diz na gíria, “pela média” (nota mínima para aprovação) era um aluno medíocre.

Nunca me esqueci de suas palavras e quando ele foi embora para tocar a vida profissional em São Paulo deixou-me esse legado. Ele foi a primeira pessoa que me ensinou a viver acima da mediocridade. Há até um livro com esses título que ainda pretendo ler.

Valeu a pena as noites em que passávamos acordados estudando. Ele para o vestibular, e eu decorando os livros de gramática, história, geografia e ciências de Olga Pereira Mettig. Naquela época cheguei a decorar todos os verbos com todos os seus modos, tempos e conjugações. Sem falar da tabuada inteirinha e daquele livro grosso do quinto ano de admissão. Era um vestibularzinho.   Ele era muito rígido comigo. Na época confesso que eu não entendia. Mas hoje eu agradeço a Deus por tê-lo colocado na minha vida, pois tudo que sou hoje intelectualmente tem sua base do que aprendi junto com ele. Já tive a oportunidade de ouvir de alguém que não devo nada a ele porque tudo foi Deus quem me deu. Sim, claro que confio plenamente nisso. Todavia, muitas vezes Deus escolhe uma pessoa para ser um instrumento, mas ela não quer desempenhar seu papel e atuar na vida daquele alguém, ou para  aquele propósito que o Senhor o designou.  A pessoa simplesmente não aceita. Fazer o que? Moisés relutou muito antes de aceitar conduzir o povo de Israel pelo deserto. Até alegar que era gago e que não sabia falar ele apresentou como desculpa para não cumprir sua missão no deserto. E isso conversando face a face com Deus. Este teve até que designar seu irmão, Arão, para ir com ele para animá-lo a cumprir sua tarefa. Por isso digo sem medo de errar que, naquela fase rebelde em que alguns jovens não querem estudar, Ananias me ensinou e me incentivou a virar essa página.




segunda-feira, 8 de junho de 2015

1968
1968. Para mim, também, este ano não terminou. Completei o primário em 1967 em uma linda cerimônia trajando um vestido na cor que eu mais amo, azul. Eu estava tão bem arrumada que trocaram a colega que ia dar o ramalhete de flores para a Madre Superiora. Eu que entreguei.                                                                                                    
Mas um “entendido” em educação convenceu minha tia a não deixar que eu realizasse o exame de admissão naquele ano. Alegaram que eu não estava preparada e que não iria passar. Minha tia confiou na “visão” e acolheu a sugestão. Então passei o ano de 1968 ralando.  Coco, de preferência.                                                                                     
Mas em 1969 eu dei o troco. Fiz a tal admissão e passei com média  7,7. Mesmo estudando em casa apenas três dias antes da prova. Fiz o primeiro ano ginasial no Colégio Nossa Senhora Santana, no bairro do Rio Vermelho. Era particular e minha tia pagava as mensalidades. Só mais tarde é que eu fui entender que ela  fez isso  com muito sacrifício durante todo aquele ano. O colégio tinha os fundos para o mar e isso para mim foi uma maravilha, pois as aulas de educação física eram lá. Nessa época eu já estava mais “esperta” e para não passar pelos mesmos vexames de não ter um pai para mostrar aos meus colegas eu inventei que meu pai estava fora do país, mais precisamente nos Estados Unidos, a trabalho. Que ele havia me deixado aos cuidados de minha tia até vir me buscar. Com isso eu passei a ser a sensação da escola. O que acontecia realmente é que minha mãe, de meu pai, só sabia que se chamava Hélio e que tinha o apelido de Blindado lá em Bom Sucesso, no Rio de Janeiro. Parecia mais uma canção de Chico Buarque.                                                                                                   

Finalmente, mentira tem pernas curtas. A minha, então, durou pouco. Na primeira visita que minha tia fez à escola eu fui desmascarada. No entanto, para mim, aquele mundo de fantasia que eu havia inventado me fez feliz por algum tempo. Neste mundo, como diria a canção, tristeza não tem fim, felicidade sim.    Todavia, felicidade fundamentada na mentira não compensa, pois quando a verdade bate à porta nunca vem sozinha. Traz sempre consigo o gosto amargo da realidade.                                        
Essa mania de me preocupar com o que os outros iriam pensar de mim caso descobrissem que em minha identidade, no espaço dedicado ao do nome do pai, havia o nome “Ignorado”, me perseguiria por muito tempo. Só quem passou por isso é quem entende. Houve uma época até que tentaram melhorar e passaram a colocar “Não Consta” ou “Não Declarado”. Depois passaram a colocar ****. Até que finalmente deixaram o espaço vazio. Essa última alternativa foi a mais condizente...                                    

No mais, agradeço a Deus por, até nisso, eu também ter virado a página. Afinal Ele é o  verdadeiro Pai para todo aquele que nEle acredita!

domingo, 7 de junho de 2015

MEU DEUS ME AMA

“No amor não existe medo; antes o amor lança fora o medo [...]” (I João 4:18).

Foi nesses anos de muita luta e solidão que descobri algo que iria ser decisivo para a minha fé em Deus. Descobri que Ele me amava de forma especial. Hoje já entendi e sei que Ele ama a todos da mesma maneira. Mas, na época,  esta “presunção” ajudou-me a  suportar mais os picos de tristeza e solidão. Ele me provou que havia muitas coisas nessa vida difíceis de explicar... Mas muito boa de sentir.                                

Eis um exemplo: Por vários dias minha tia me dava certa quantia para que eu comprasse alguma coisa na volta da escola. Alguém me roubava este dinheiro na hora do recreio de vez em quando. Certo dia ela me entregou uma nota de Cr$5,00 (cinco cruzeiros) e mandou-me ter cuidado com o troco.  Já era quase noite e eu não tinha coragem de voltar para casa. Quando finalmente apareci contando que haviam  me roubado na escola ninguém acreditou voltei para procurar, mas, procurar mais o quê? Como? Sai para andar a esmo sem saber o que fazer. Lá adiante, na frente do Colégio Dois de Julho, ao longe, nem quis acreditar no que vi. O vento assolou uma nota de Cr$5,00 e esta ficou presa entre as grades do portão. Corri, peguei o dinheiro e voltei para casa. Ninguém acreditou em meu relato. Mas até hoje, quando passo em frente aquele portão que dá acesso à entrada do colégio Dois de Julho fico a imaginar: Que Deus é este?!  E como Ele me ama! Isso é muito gostoso de sentir.

Pouca coisa passava despercebido aos olhos perspicazes de minha tia. Quando eu ia, ela já vinha. Ternura não era a marca registrada da família, contudo, em termos materiais, não me deixavam faltar nada. Meu tio era provedor. O homem mais íntegro e sério que já conheci. Em caso de doença também eu não era tratada com negligência.  Não fosse assim eu teria sucumbido na minha menarca. Minha primeira menstruação evoluiu para uma hemorragia quase fatal. Depois de trinta e um dias eu já não tinha mas nada expelir e desmaiei em cima de fogareiro. Minha tia me socorreu a tempo. Não houve medicamento que estancasse o sangramento e eu fui parar no Hospital da Clínicas (HUPES). Ninguém acreditava que eu fosse sobreviver. Fiquei muito fraca.
Aos doze anos, mais ou menos, as pessoas que tinham contato direto comigo, principalmente professores, começaram a ter que trabalhar várias demonstrações de meu comportamento que indicavam que algo não ia bem comigo.  Além do temperamento forte, a questão da impulsividade e inquietude ficava cada vez mais acentuada em minhas atitudes e isso dificultava o meu aprendizado. Minha mente funcionava interagindo como uma antena captando todos os sinais a sua volta e isso dificultava meu aprendizado. Estudava até altas horas da noite junto com meu primo que se preparava para o vestibular, mas minhas notas não progrediam. E se progredia em um mês (as avaliações eram mensais) no outro eram um verdadeiro fracasso o que tornavam as estatísticas de meu desenvolvimento escolar em picos de altos e baixos constantes. Esses acontecimentos levou muita gente a me rotular de “burra”.  Isso me fazia muito mal e só ajudava a intensificar o quadro. E ainda para piorar, no caminho para alguma atividade na rua, eu sempre parava para acompanhar tudo o que acontecia no centro de Salvador e, entre 1964 e 1968, eu vi muita coisa que criança não deveria ver. Morávamos perto, não tinha como não acompanhar, embora, na época, eu não entendesse nada.
 Tudo meu era exagerado e quase incontrolável. Para comer, falar. Tudo meu era muito intenso. Os “entendidos” começaram a aconselhar: “Leve essa menina a um psiquiatra”. Minha tia me levou. Fiz vários exames e fui liberada como normal...

Mesmo assim minhas professoras sempre se queixavam de minha forte tendência à dispersão ou instabilidade de atenção, o que obrigava  minha tia a ter que comparecer frequentemente à escola por conta de solicitação das freiras que se encarregavam desse assunto no convento onde eu estudava.

Até hoje não consigo me desprender do hábito de desempenhar várias tarefas ao mesmo tempo. Minha personalidade, carregada de energia hiperativa, tem sido responsável pelas minhas maiores vitórias. Todavia, também tem servido de pano de fundo para a maioria de minhas decisões erradas. Por conta dessa ansiedade desenvolvi uma tricotilomania que me perseguiu por anos. Graças a Deus eu não arranco mais sequer um fio de cabelo. Não foi fácil deixar o vício, mas, também quanto a isso, eu já virei a página...