MEU DEUS ME AMA
“No
amor não existe medo; antes o amor lança fora o medo [...]” (I João 4:18).
Foi
nesses anos de muita luta e solidão que descobri algo que iria ser decisivo
para a minha fé em Deus. Descobri que Ele me amava de forma especial. Hoje já
entendi e sei que Ele ama a todos da mesma maneira. Mas, na época, esta “presunção” ajudou-me a suportar mais os picos de tristeza e solidão.
Ele me provou que havia muitas coisas nessa vida difíceis de explicar... Mas
muito boa de sentir.
Eis
um exemplo: Por vários dias minha tia me dava certa quantia para que eu
comprasse alguma coisa na volta da escola. Alguém me roubava este dinheiro na
hora do recreio de vez em quando. Certo dia ela me entregou uma nota de Cr$5,00
(cinco cruzeiros) e mandou-me ter cuidado com o troco. Já era quase noite e eu não tinha coragem de
voltar para casa. Quando finalmente apareci contando que haviam me roubado na escola ninguém acreditou voltei
para procurar, mas, procurar mais o quê? Como? Sai para andar a esmo sem saber
o que fazer. Lá adiante, na frente do Colégio Dois de Julho, ao longe, nem quis
acreditar no que vi. O vento assolou uma nota de Cr$5,00 e esta ficou presa
entre as grades do portão. Corri, peguei o dinheiro e voltei para casa. Ninguém
acreditou em meu relato. Mas até hoje, quando passo em frente aquele portão que
dá acesso à entrada do colégio Dois de Julho fico a imaginar: Que Deus é este?!
E como Ele me ama! Isso é muito gostoso
de sentir.
Pouca
coisa passava despercebido aos olhos perspicazes de minha tia. Quando eu ia,
ela já vinha. Ternura não era a marca registrada da família, contudo, em termos
materiais, não me deixavam faltar nada. Meu tio era provedor. O homem mais íntegro
e sério que já conheci. Em caso de doença também eu não era tratada com
negligência. Não fosse assim eu teria
sucumbido na minha menarca. Minha primeira menstruação evoluiu para uma
hemorragia quase fatal. Depois de trinta e um dias eu já não tinha mas nada
expelir e desmaiei em cima de fogareiro. Minha tia me socorreu a tempo. Não
houve medicamento que estancasse o sangramento e eu fui parar no Hospital da
Clínicas (HUPES). Ninguém acreditava que eu fosse sobreviver. Fiquei muito
fraca.
Aos
doze anos, mais ou menos, as pessoas que tinham contato direto comigo,
principalmente professores, começaram a ter que trabalhar várias demonstrações
de meu comportamento que indicavam que algo não ia bem comigo. Além do temperamento forte, a questão da
impulsividade e inquietude ficava cada vez mais acentuada em minhas atitudes e
isso dificultava o meu aprendizado. Minha mente funcionava interagindo como uma
antena captando todos os sinais a sua volta e isso dificultava meu aprendizado.
Estudava até altas horas da noite junto com meu primo que se preparava para o
vestibular, mas minhas notas não progrediam. E se progredia em um mês (as
avaliações eram mensais) no outro eram um verdadeiro fracasso o que tornavam as
estatísticas de meu desenvolvimento escolar em picos de altos e baixos
constantes. Esses acontecimentos levou muita gente a me rotular de “burra”. Isso me fazia muito mal e só ajudava a intensificar
o quadro. E ainda para piorar, no caminho para alguma atividade na rua, eu
sempre parava para acompanhar tudo o que acontecia no centro de Salvador e, entre
1964 e 1968, eu vi muita coisa que criança não deveria ver. Morávamos perto,
não tinha como não acompanhar, embora, na época, eu não entendesse nada.
Tudo meu era exagerado e quase incontrolável.
Para comer, falar. Tudo meu era muito intenso. Os “entendidos” começaram a
aconselhar: “Leve essa menina a um psiquiatra”. Minha tia me levou. Fiz vários
exames e fui liberada como normal...
Mesmo
assim minhas professoras sempre se queixavam de minha forte tendência à
dispersão ou instabilidade de atenção, o que obrigava minha tia a ter que comparecer frequentemente
à escola por conta de solicitação das freiras que se encarregavam desse assunto
no convento onde eu estudava.
Até
hoje não consigo me desprender do hábito de desempenhar várias tarefas ao mesmo
tempo. Minha personalidade, carregada de energia hiperativa, tem sido
responsável pelas minhas maiores vitórias. Todavia, também tem servido de pano
de fundo para a maioria de minhas decisões erradas. Por conta dessa ansiedade
desenvolvi uma tricotilomania que me perseguiu por anos. Graças a Deus eu não
arranco mais sequer um fio de cabelo. Não foi fácil deixar o vício, mas, também
quanto a isso, eu já virei a página...
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