AMIGO TEM CINCO LETRAS
Em certa manhã de domingo, fim de verão, em um
parque de diversões, fiquei observando uma garotinha aproximar-se com o pai. Enquanto
ele desenvolvia uma conversa ao celular a criança corria alegremente em direção
a uma gangorra. De repente, noto em sua face um olhar interrogativo que ia de
um lado ao outro do parque. Sentada de um lado da gangorra faltava-lhe, do
outro lado, alguém para dar sentido àquela diversão. Com o assento apoiado ao
chão ela aguardou pacientemente até que chegou uma companheira. Quando esta
apareceu pouco brincou e, logo se cansou, deixando-a sozinha novamente. Novo
olhar de procura. Neste momento, o pai, que já desligara o celular, percebendo
a angústia da filha, correu ao seu encontro e sentou-se do outro lado para
dividir a gangorra com sua “cria”. Ao contemplar esta cena lembrei-me de que,
em minha adolescência, não poucas vezes eu supliquei a Deus que me enviasse
alguém para me ajudar a dividir a “gangorra” da minha vida comigo.
Em 1971
isso se realizou na pessoa de Marise, uma jovem amiga da família
que perdeu a madrinha que a abrigava e veio morar conosco. A presença de Marise
trouxe um alento para minha vida durante todo o tempo em que ela morou conosco.
Até então, eu que sempre estivera sem uma pessoa para dividir meus segredos,
finalmente tinha alguém para dividi-los juntamente com minhas mágoas e minhas
tristezas. Mas durante o tempo do desenvolvimento de nossa amizade tenho mais
alegrias que tristezas para recordar. Posso afirmar sem duvidar que foi a
melhor fase da minha juventude. Ela entendia tudo o que eu sentia. Ter alguém
jovem em casa, além de mim, fazia muita falta.
Dividimos
muitas histórias interessantes juntas, mas, a que gosto mais de recordar era o
papel social que nós representávamos naquele nicho: Quando havia um convite
para algum evento social, fosse aniversário ou similar, e ninguém da casa
queria ir, então eu e Marize, éramos autorizadas a comparecermos como legítimas
representantes da família como nós mesmas, ironicamente, nos intitulávamos. Na
maioria das vezes até que nos tratavam razoavelmente bem. Mas houve uma festa
que ficou inesquecível para nós. Foi no bairro de Brotas. Passamos boa parte da
festa completamente ignoradas. As
bandejas eram alçadas ao alto quando chegávamos perto. Até que mais tarde meu
primo, filho legítimo da família, chegou à festa e, informado do que estava
acontecendo, confirmou com a dona da casa a legitimidade da nossa presença. No dia
seguinte um dos familiares foi lá em casa desculpar-se pessoalmente com meu tio,
marido de minha tia, pelo desagradável acontecimento. Meu tio era um homem
muito estimado por todos pela sua conduta irrepreensível dentro e fora de casa.
Marise
constituiu família e eu também segui meu rumo, pois viver era preciso. Mas, até
hoje, ela faz parte de uma fase da minha vida que vale a pena recordar. Amigo
tem cinco letras. Dá para formar uma mão e, como uma mão lava a outra, tê-la
como amiga me ajudou muito naquela fase de incertezas da juventude. Também,
sempre a cada tempo em minha caminhada, o Senhor tem providenciado a pessoa
certa na hora certa para me acompanhar e me ajudar a virar a página.
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