CONTRARIANDO AS ESTATÍSTICAS
O cantor, apresentador e
empresário João de Paula Neto (Netinho) disse, certa vez, quando
entrevistado em um programa de
televisão: “Eu contrariei as estatísticas!”
Afirmou isso referindo-se ao seu histórico de criança pobre que aos sete
anos já vendia doces na estação de trem e que perdeu a mãe aos onze. Com esta
frase chamou a atenção do público mais jovem para o fato de que, mesmo vindo de
uma classe que se amontoava na periferia de uma grande cidade para a qual,
segundo os estudiosos, não havia esperança de um futuro melhor que, assim como
ele havia conseguido, outros também poderiam conseguir.
Em 1976 comecei
a entender que eu também contrariava as estatísticas. A esta altura do
“campeonato”, na estrada que até então eu percorrera, minha mãe já havia
acrescentado mais um casal de irmãos menores à sua prole itinerante. Ambos,
também, de pais diferentes só para efeito de repetição histórica. Talvez para
que, assim, no futuro, ninguém viesse a se vangloriar de seus perfis
genealógicos. Quem sabe? O certo é que naquele momento eu já tinha uma irmã dezesseis
anos mais nova e mais um irmão dezoito anos mais novo que eu. Era um pacote
completo para minhas preocupações, pois eu me sentia impotente para ajudá-los.
Ao ver minha mãe morando em um barraco de pedaços de tábuas e compensados nos
fundos de um terreno doado, na periferia, com dois filhos pequenos sem marido
ou “coisa similar” e, lavando roupas para mais de uma dezena de famílias, ficava
ainda mais triste e amargurada.
Antes disso,
ela mudava-se frequentemente a procura
de moradias em bairros cada vez mais distantes do centro por não ter dinheiro
para honrar seus compromissos com aluguéis. Isso dificultava cada vez mais as
minhas estratégias em burlar a vigilância para vê-la. E o mais triste ainda era
ter que sentir seu ar de descontentamento toda vez que eu ia visitá-la e não
levava uma companhia que lhe dava alento para tanta pobreza e necessidade: “Ela
sempre me perguntava nessas ocasiões: “Por que não trouxe sua irmã?”. Embora
aquela pergunta me deixasse um tanto constrangida eu, de vez em quando, reforçava
as estratégias para levá-la comigo. Via aqueles olhos serem tomados de um
brilho ao qual eu não estava acostumada e isso me causava muito desconforto. Mas
agora eu entendo. Hoje eu sei que, a mim, ou de uma forma, ou de outra, ela sempre
teve por perto. E eu sempre repetia a operação porque sabia que isso a fazia
feliz. Eu fazia tudo também na esperança de vê-la sem motivos para continuar no
hábito que a dominava, o alcoolismo. Seu consumo de álcool de forma desenfreada me afastava ainda mais de seu
convívio e isso foi motivo de muitos desentendimentos entre nós.
Quando
aos dezenove anos eu quis largar tudo para trabalhar e ajudá-la meu primo, como já registrei, aconselhou-me
que, na continuação dos estudos, eu teria mais condições de ajudá-la no futuro.
Ele sempre repetia uma frase do livro Fernão
Capelo Gaivota: “Quem voa mais alto, vê mais longe”. Desta forma ele me
garantia que naquele momento eu só conseguiria uma ajuda paliativa que seria
tanto ruim para ela quanto para mim no tocante ao futuro. Mais tarde a vida me confirmaria isto.
Desacelerar o futuro para viver um presente, por causa de pequenos frutos, é
jogar fora a oportunidade de colher nos
grandes pomares que a vida nos reserva lá adiante. A frase é minha, mas
pode copiar.
Toda vez
que eu ia visitar minha mãe saía de coração cortado. Do que eu conseguia dando
aulas para algumas crianças vizinhas, cujos pais confiavam em mim, eu levava
alguma coisa. Mas era pouco. Meu irmão mais velho ia segurando as pontas com
seus ganhos, porém, casou cedo e minha mãe teve que se virar sozinha. Ele
continuou ajudando, mas com sua própria família aumentando a cada ano já não
era mais a mesma coisa.
Ao vê-la
morar em um lugar quase nos fundos de uma penitenciária em meio a uma
comunidade salpicada de marginalidade, passando todo tipo de provação e
necessidades, só mais tarde entendi que diante do que meu irmão mais velho e meus
dois irmãos menores passaram ao lado de minha mãe “eu era feliz e não sabia”. E
assim, mesmo sem o saber, eu seguia virando a página.
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