sexta-feira, 12 de junho de 2015


CONTRARIANDO AS ESTATÍSTICAS
 O cantor, apresentador e empresário João de Paula Neto (Netinho) disse, certa vez, quando entrevistado  em um programa de televisão: “Eu contrariei as estatísticas!”  Afirmou isso referindo-se ao seu histórico de criança pobre que aos sete anos já vendia doces na estação de trem e que perdeu a mãe aos onze. Com esta frase chamou a atenção do público mais jovem para o fato de que, mesmo vindo de uma classe que se amontoava na periferia de uma grande cidade para a qual, segundo os estudiosos, não havia esperança de um futuro melhor que, assim como ele havia conseguido, outros também poderiam conseguir.                                                                                                  
Em 1976 comecei a entender que eu também contrariava as estatísticas. A esta altura do “campeonato”, na estrada que até então eu percorrera, minha mãe já havia acrescentado mais um casal de irmãos menores à sua prole itinerante. Ambos, também, de pais diferentes só para efeito de repetição histórica. Talvez para que, assim, no futuro, ninguém viesse a se vangloriar de seus perfis genealógicos. Quem sabe? O certo é que naquele momento eu já tinha uma irmã dezesseis anos mais nova e mais um irmão dezoito anos mais novo que eu. Era um pacote completo para minhas preocupações, pois eu me sentia impotente para ajudá-los. Ao ver minha mãe morando em um barraco de pedaços de tábuas e compensados nos fundos de um terreno doado, na periferia, com dois filhos pequenos sem marido ou “coisa similar” e, lavando roupas para mais de uma dezena de famílias, ficava ainda mais triste e amargurada.
Antes disso, ela mudava-se frequentemente  a procura de moradias em bairros cada vez mais distantes do centro por não ter dinheiro para honrar seus compromissos com aluguéis. Isso dificultava cada vez mais as minhas estratégias em burlar a vigilância para vê-la. E o mais triste ainda era ter que sentir seu ar de descontentamento toda vez que eu ia visitá-la e não levava uma companhia que lhe dava alento para tanta pobreza e necessidade: “Ela sempre me perguntava nessas ocasiões: “Por que não trouxe sua irmã?”. Embora aquela pergunta me deixasse um tanto constrangida eu, de vez em quando, reforçava as estratégias para levá-la comigo. Via aqueles olhos serem tomados de um brilho ao qual eu não estava acostumada e isso me causava muito desconforto. Mas agora eu entendo. Hoje eu sei que, a mim, ou de uma forma, ou de outra, ela sempre teve por perto. E eu sempre repetia a operação porque sabia que isso a fazia feliz. Eu fazia tudo também na esperança de vê-la sem motivos para continuar no hábito que a dominava, o alcoolismo. Seu consumo de álcool de forma  desenfreada me afastava ainda mais de seu convívio e isso foi motivo de muitos desentendimentos entre nós.
Quando aos dezenove anos eu quis largar tudo para trabalhar e ajudá-la    meu primo, como já registrei, aconselhou-me que, na continuação dos estudos, eu teria mais condições de ajudá-la no futuro. Ele sempre repetia uma frase do livro Fernão Capelo Gaivota: “Quem voa mais alto, vê mais longe”. Desta forma ele me garantia que naquele momento eu só conseguiria uma ajuda paliativa que seria tanto ruim para ela quanto para mim no tocante ao futuro.  Mais tarde a vida me confirmaria isto. Desacelerar o futuro para viver um presente, por causa de pequenos frutos, é jogar fora a oportunidade de colher nos  grandes pomares que a vida nos reserva lá adiante. A frase é minha, mas pode copiar.
Toda vez que eu ia visitar minha mãe saía de coração cortado. Do que eu conseguia dando aulas para algumas crianças vizinhas, cujos pais confiavam em mim, eu levava alguma coisa. Mas era pouco. Meu irmão mais velho ia segurando as pontas com seus ganhos, porém, casou cedo e minha mãe teve que se virar sozinha. Ele continuou ajudando, mas com sua própria família aumentando a cada ano já não era mais a mesma coisa.

Ao vê-la morar em um lugar quase nos fundos de uma penitenciária em meio a uma comunidade salpicada de marginalidade, passando todo tipo de provação e necessidades, só mais tarde entendi que diante do que meu irmão mais velho e meus dois irmãos menores passaram ao lado de minha mãe “eu era feliz e não sabia”. E assim, mesmo sem o saber, eu seguia virando a página.

Nenhum comentário:

Postar um comentário