Como
um filme a que assistimos duas vezes sem a alternativa de escolher deixar de
assisti-lo, ou, pelo menos escolher um novo final, minha mãe estava passando
pela mesma experiência sete anos depois. Só que dessa vez em Salvador. A vida
tem um senso de humor estranho e talvez por isso, às vezes, passamos por
experiências idênticas em intervalos de tempo não determinados. E assim, grávida
de seu terceiro filho, quando minha mãe retornou do Rio de Janeiro para onde
tinha ido aos dezoito anos no intuito de “tentar a sorte” foi recebida pela
família com o aviso: “Com a menina eu
fico. Agora, este aí que vai nascer você procure quem queira”. Meu irmão ficou
com outra tia, pois, raramente alguém aceitava domésticas com filhos em um
tempo em que elas, em sua maioria, tinham que dormir no emprego. E minha mãe
tinha que trabalhar.
E
eis que, esse aí, na verdade, era uma menina. Ao final minha tia aceitou ficar
com minha irmã. Achou que seria um desperdício uma criança de cor clara ir para
um orfanato. Foram essas mesmas as palavras. Dessa
situação inesperada surgiu um novo impasse. Para que as duas ficassem, uma
seria adotada, a outra (eu), ficaria como uma espécie de agregada. Com o novo
acerto eu e minha mãe fomos desautorizadas
a contar para minha irmã qual era o nosso verdadeiro grau de parentesco. Caso
contrário eu seria devolvida e adeus escola. Meu futuro iria por água abaixo se
isso acontecesse. Foi assim que eu acabei “sobrando” nessa história. Os tempos
eram outros e essa forma de conduzir as adoções não era assim tão rara.
O
tempo foi passando e, as diferenças eram tantas e tão marcantes, que foi criado
um poço além do que a diferença de idade já se encarregava de delinear. Como
não dividíamos o mesmo quarto por dez longos anos, quando viemos a dividi-lo,
muito do que poderia ter sido construído ao longo daqueles anos “separadas” não
pôde mais ser reparado (ela dormia na mesma cama do casal). Sempre que eu lia o
texto publicado originalmente pela revista O
Cruzeiro, “Morreu de Confusão”, eu
bem que achava que a minha vida daria um título daquele.
Assim, crescemos eu e
minha irmã, na mesma casa, mas, sem que eu pudesse desfrutar dos mesmos
direitos afetivos e materiais. Foi muito difícil. Não entendo até hoje como
isso se processou em minha mente de tal forma que eu nunca tive coragem de
contar para minha irmã a realidade de nossas vidas. Minha mãe passou a ser a
tia e eu a prima e “irmã de criação”, figurante ou, no mínimo, personagem de
terceiro escalão naquela novela real que a partir dali tinham personagens que formavam
um elenco protagonizado por minha tia, seu esposo, dois filhos do casal, cujo
mais velho estava morando no Rio de Janeiro à época, a empregada e eu. Só muito
depois, esse quadro sofreria transformação. Mas isso será contado mais adiante.
Enquanto isso, eu tinha que virar a página...
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