quinta-feira, 4 de junho de 2015

Como um filme a que assistimos duas vezes sem a alternativa de escolher deixar de assisti-lo, ou, pelo menos escolher um novo final, minha mãe estava passando pela mesma experiência sete anos depois. Só que dessa vez em Salvador. A vida tem um senso de humor estranho e talvez por isso, às vezes, passamos por experiências idênticas em intervalos de tempo não determinados. E assim, grávida de seu terceiro filho, quando minha mãe retornou do Rio de Janeiro para onde tinha ido aos dezoito anos no intuito de “tentar a sorte” foi recebida pela família com o aviso: “Com  a menina eu fico. Agora, este aí que vai nascer você procure quem queira”. Meu irmão ficou com outra tia, pois, raramente alguém aceitava domésticas com filhos em um tempo em que elas, em sua maioria, tinham que dormir no emprego. E minha mãe tinha que trabalhar.                                          
E eis que, esse aí, na verdade, era uma menina. Ao final minha tia aceitou ficar com minha irmã. Achou que seria um desperdício uma criança de cor clara ir para um orfanato. Foram essas mesmas as palavras.        

Dessa situação inesperada surgiu um novo impasse. Para que as duas ficassem, uma seria adotada, a outra (eu), ficaria como uma espécie de agregada. Com o novo acerto eu e  minha mãe fomos desautorizadas a contar para minha irmã qual era o nosso verdadeiro grau de parentesco. Caso contrário eu seria devolvida e adeus escola. Meu futuro iria por água abaixo se isso acontecesse. Foi assim que eu acabei “sobrando” nessa história. Os tempos eram outros e essa forma de conduzir as adoções não era assim tão rara.

O tempo foi passando e, as diferenças eram tantas e tão marcantes, que foi criado um poço além do que a diferença de idade já se encarregava de delinear. Como não dividíamos o mesmo quarto por dez longos anos, quando viemos a dividi-lo, muito do que poderia ter sido construído ao longo daqueles anos “separadas” não pôde mais ser reparado (ela dormia na mesma cama do casal). Sempre que eu lia o texto publicado originalmente pela revista O Cruzeiro, “Morreu de Confusão”,  eu bem que achava que a minha vida daria um título daquele.
Assim, crescemos eu e minha irmã, na mesma casa, mas, sem que eu pudesse desfrutar dos mesmos direitos afetivos e materiais. Foi muito difícil. Não entendo até hoje como isso se processou em minha mente de tal forma que eu nunca tive coragem de contar para minha irmã a realidade de nossas vidas. Minha mãe passou a ser a tia e eu a prima e “irmã de criação”, figurante ou, no mínimo, personagem de terceiro escalão naquela novela real que a partir dali tinham personagens que formavam um elenco protagonizado por minha tia, seu esposo, dois filhos do casal, cujo mais velho estava morando no Rio de Janeiro à época, a empregada e eu. Só muito depois, esse quadro sofreria transformação. Mas isso será contado mais adiante. Enquanto isso, eu tinha que virar a página...                                    

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