domingo, 14 de junho de 2015

AINDA A TAL DA ESTATÍSTICA!
 Fiz meu primeiro vestibular, para ingressar na Universidade Federal da Bahia na turma de 1977. Meses antes, um amigo da família, estudante de engenharia, aconselhou minha tia para que ela me convencesse a desistir. Justificou sua opinião dizendo que pelo meu histórico de escolas deficitárias na maior parte de minha vida escolar, eu não teria a mínima chance de êxito. Minha tia não lhe deu ouvidos. Acatando em parte a opinião, deixei de lado a opção de fazer o curso de psicologia, mais concorrido e, optei por um de menor concorrência, Biblioteconomia. Quando souberam que seriam cinco para cada vaga ainda acharam muito...

No dia em que saiu o resultado, após ter contabilizado a pontuação final, para surpresa geral, eu havia alcançado uma soma que, além de permitir entrar tranquilamente no curso que escolhi, daria até para o que eu havia preterido. Entrei nessa universidade e contrariei as estatísticas que só prevalece na mente daqueles que desistem de si mesmo e não conseguem virar a página.     

Anos depois, já formada, tive um colega de trabalho, de outra profissão, que após um diálogo informal disse-me sem cerimônia: “Eu te acho muito inteligente, mas, é uma pena que você não poderá ir muito longe com essa profissão”. Para mim nascia outro desafio desde que decidi trilhar este caminho profissional. É que, de geração a geração, o deslumbramento pelo título de doutor apoiou-se na teoria, exaustivamente repetida entre as famílias brasileiras, de que formaturas respeitadas e socialmente reconhecidas eram as de medicina, direito e engenharia, necessariamente nesta ordem, pela automática inserção do título de doutor na vida social do formado. Mesmo que legalmente, para algumas profissões, o título não estivesse atrelado ao bacharelado. Quantas vezes, quando algumas pessoas me perguntavam o que eu estudava ao terminar elas franziam a testa e me interpelavam: Biblio o que?                                                      

Meu primeiro ano na faculdade foi excelente. Obtive as melhores notas em todas as avaliações e em todas as disciplinas. Mas no segundo ano, mais precisamente no quarto semestre, em 1978 alistei-me como participante do Projeto Rondon. Jovens universitários que desenvolviam tarefas solidárias em regiões carentes por todo o país. Comecei pelo interior da Bahia e fiz minha última participação em Santarém Novo no estado do Pará em 1979. Nesta ocasião eu conheci Paulo, meu esposo. Larguei a família dos outros para formar a minha. Queria ter meu teto. Éramos estudantes, cheios de sonhos e ilusões. Sair de casa para fugir da família. Esse filme é velho. O roteiro por demais conhecido.

Solidário com minhas dificuldades, meu chefe no estágio na Universidade Federal da Bahia, Mário Guimarães de Mendonça Camões, conseguiu me incluir por mais alguns meses no programa de estágio, em um projeto de microfilmagem da UFBA, e também autorização para almoçar no restaurante universitário. Grande figura. Nunca vou esquecer o gesto humanitário daquele homem. Grande coração. Também se não fosse a família de Paulo nós não teríamos conseguido chegar muito adiante. Dois estudantes sem emprego fixo, vivendo de crédito educativo. Só eu mesmo. Ainda se não bastasse em dois anos nós já tínhamos dois filhos.

Como Paulo tinha uma família bem estruturada e alicerçada senti o terreno firme para conduzir minha futura família. Era tudo o que eu precisava naquele momento. Minha mãe, então, já liberta do álcool e, como membro ativo da Igreja Adventista do Sétimo Dia, partia para uma reviravolta em sua vida. Ainda sofria necessidades, mas a esta altura já conseguira um emprego como zeladora de escola na Secretaria de Educação do Estado da Bahia em uma escola anexa ao 19º BC. Finalmente a vida lhe sorria. Mas a pobreza ainda a cortejava. Era triste vê-la, já com a idade madura, abaixo e acima com duas crianças dependuradas atrás de si.  Ainda necessitando da ajuda da família e sem ter conquistado o tão almejado respeito, já que mudara de vida.

Eu andava cerca de seis quilômetros por dia (ida e volta) da Barra até o bairro do Canela para frequentar as aulas. Depois me mudei para a Garibaldi. A pé fiz meu restante de curso. A pé fui para minha formatura em fevereiro de 1982 que teve que ser sem solenidade. A pé, eu seguia, virando a página!         

Nenhum comentário:

Postar um comentário