AINDA A TAL DA ESTATÍSTICA!
Fiz meu primeiro
vestibular, para ingressar na Universidade Federal da Bahia na turma de 1977. Meses
antes, um amigo da família, estudante de engenharia, aconselhou minha tia para
que ela me convencesse a desistir. Justificou sua opinião dizendo que pelo meu
histórico de escolas deficitárias na maior parte de minha vida escolar, eu não
teria a mínima chance de êxito. Minha tia não lhe deu ouvidos. Acatando em
parte a opinião, deixei de lado a opção de fazer o curso de psicologia, mais
concorrido e, optei por um de menor concorrência, Biblioteconomia. Quando souberam
que seriam cinco para cada vaga ainda acharam muito...
No
dia em que saiu o resultado, após ter contabilizado a pontuação final, para
surpresa geral, eu havia alcançado uma soma que, além de permitir entrar tranquilamente
no curso que escolhi, daria até para o que eu havia preterido. Entrei nessa
universidade e contrariei as estatísticas que só prevalece na mente daqueles
que desistem de si mesmo e não conseguem virar a página.
Anos
depois, já formada, tive um colega de trabalho, de outra profissão, que após um
diálogo informal disse-me sem cerimônia: “Eu te acho muito inteligente, mas, é
uma pena que você não poderá ir muito longe com essa profissão”. Para mim
nascia outro desafio desde que decidi trilhar este caminho profissional. É que,
de geração a geração, o deslumbramento pelo
título de doutor apoiou-se na teoria, exaustivamente repetida entre as famílias
brasileiras, de que formaturas respeitadas e socialmente reconhecidas eram as
de medicina, direito e engenharia, necessariamente nesta ordem, pela automática
inserção do título de doutor na vida social do formado. Mesmo que legalmente,
para algumas profissões, o título não estivesse atrelado ao bacharelado. Quantas
vezes, quando algumas pessoas me perguntavam o que eu estudava ao terminar elas
franziam a testa e me interpelavam: Biblio o que?
Meu
primeiro ano na faculdade foi excelente. Obtive as melhores notas em todas as
avaliações e em todas as disciplinas. Mas no segundo ano, mais precisamente no
quarto semestre, em 1978 alistei-me como participante do Projeto Rondon. Jovens
universitários que desenvolviam tarefas solidárias em regiões carentes por todo
o país. Comecei pelo interior da Bahia e fiz minha última participação em
Santarém Novo no estado do Pará em 1979. Nesta ocasião eu conheci Paulo, meu
esposo. Larguei a família dos outros para formar a minha. Queria ter meu teto.
Éramos estudantes, cheios de sonhos e ilusões. Sair de casa para fugir da
família. Esse filme é velho. O roteiro por demais conhecido.
Solidário
com minhas dificuldades, meu chefe no estágio na Universidade Federal da Bahia,
Mário Guimarães de Mendonça Camões, conseguiu me incluir por mais alguns meses
no programa de estágio, em um projeto de microfilmagem da UFBA, e também autorização
para almoçar no restaurante universitário. Grande figura. Nunca vou esquecer o
gesto humanitário daquele homem. Grande coração. Também se não fosse a família
de Paulo nós não teríamos conseguido chegar muito adiante. Dois estudantes sem
emprego fixo, vivendo de crédito educativo. Só eu mesmo. Ainda se não bastasse
em dois anos nós já tínhamos dois filhos.
Como
Paulo tinha uma família bem estruturada e alicerçada senti o terreno firme para
conduzir minha futura família. Era tudo o que eu precisava naquele momento. Minha
mãe, então, já liberta do álcool e, como membro ativo da Igreja Adventista do
Sétimo Dia, partia para uma reviravolta em sua vida. Ainda sofria necessidades,
mas a esta altura já conseguira um emprego como zeladora de escola na
Secretaria de Educação do Estado da Bahia em uma escola anexa ao 19º BC.
Finalmente a vida lhe sorria. Mas a pobreza ainda a cortejava. Era triste
vê-la, já com a idade madura, abaixo e acima com duas crianças dependuradas
atrás de si. Ainda necessitando da ajuda
da família e sem ter conquistado o tão almejado respeito, já que mudara de
vida.
Eu andava cerca de seis
quilômetros por dia (ida e volta) da Barra até o bairro do Canela para
frequentar as aulas. Depois me mudei para a Garibaldi. A pé fiz meu restante de
curso. A pé fui para minha formatura em fevereiro de 1982 que teve que ser sem
solenidade. A pé, eu seguia, virando a página!
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