Mas
chegou um tempo em que minha mãe biológica, Terezinha, resolveu voltar para
Salvador. Os preparativos para a
viagem iam de vento em polpa. Tudo foi tentado para que meu cabelo esticasse. Um
produto para alisamento muito comum na época, Janax, foi deixada em meu
couro cabeludo, envolto em jornais, por
mais tempo que o indicado pelo fabricante. Na retirada o que restou do meu
cabelo era uma carapinha quase invisível. Por cinco longos anos eu não teria
cabelo. O jeito era viver de toca. E para que tudo isso? Segundo o que me
contavam eu viria para a Bahia com o
objetivo de passar uns dias e conhecer alguns parentes. Antes do começo das aulas eu estaria de volta.
Com esse consolo eu consentia em viajar sem mais indagações. Foi assim que entrei em
um avião, com passagens concedidas pelos patrões de minha mãe, em janeiro de
1963. A chegada em Salvador foi turbulenta, pois o avião teve que fazer uma
escala forçada em Ilhéus. Como eu
passei muito mal durante o voo, todo o tempo me diziam que
logo eu estaria de volta à minha terra natal. Ledo engano. A esta altura minha
mãe, Terezinha, já estava grávida de seu terceiro filho e tudo já estava
preparado para que eu fosse morar com uma tia materna. Eu, sequer suspeitava de
nada. Não me prepararam para um encontro que mudaria em cento e oitenta graus o
rumo da minha vida. O choque foi inevitável. Quando minha mãe saiu dizendo que
ia ali e voltava já, entrei em pânico. O sufoco começou na hora de tirar a toca
pois, ao descobrirem que eu estava inteiramente careca veio a pergunta que me
deixou encabulada: Menina, cadê seu cabelo? Atônita, sem saber o que responder,
arrisquei algo que me veio na hora e, do alto da minha inocência, respondi: Não
sei, acho que o vento levou lá no avião. Essa frase me perseguiu por muitos
anos dentro da família. Sempre que queriam me machucar apelavam para ela. Levou
muito tempo para que voltasse a ter cabelos. Couro cabeludo era uma expressão
que não se aplicava ao meu caso, e isso era motivo para muita piada. Tanto em
casa como na escola. Naquela época ninguém estava nem aí para o tal de bulling.
Mas o pior mesmo e que me fez desmoronar em prantos foi quando eu comecei a entender que a partir dali eu estaria dando adeus em pensamento à pessoa que eu mais amava na vida até então. Minha querida mãe Belinha. Seu afeto; seu carinho e seu amor, mesmos sentimentos que me foram devotados por sua filha, e minha madrinha de batismo, Marly, ficariam impregnados na minha lembrança eternamente como uma forma de preservar a minha mente da loucura ou de qualquer outro distúrbio que pudesse advir daquela solidão que me sufocava as noites e que me faziam ensopar o travesseiro com lágrimas que brotavam de tanta saudade. Por muito tempo eu não poderia ouvir a música Cidade Maravilhosa, pois já em seus primeiros acordes eu entrava em convulsivo choro.
Apesar de grande, o sobrado de dois andares, cozinha e sanitário em baixo, salas de estar jantar e dormitórios em cima, no sobrado que eu passaria os próximos dezesseis anos da minha vida não tinha quartos de hóspedes e então passei a dividir o quarto das domésticas da casa e, como eu molhava a cama todas as noites, tive que passar dormir em uma esteira de palha por muito tempo. Tudo mudou. A única coisa que me deixava mais a vontade, em torno dessas mudanças, eram quando eu saía na rua e constatava que nesta minha nova cidade eu me sentia em casa. Eu até não podia, naquela época, saber ou explicar o fenômeno, mas sentia na pele que no tocante às etnias ditas, minoritárias, eu estava em casa. A maioria das pessoas que eu via nas ruas eram da minha mesma cor. Então virei a página e aprendi a me sentir feliz!
Em meio a tudo isso, uma das primeiras lições que aprendi foi a de que as mudanças fazem parte da vida. No meu caso elas começaram cedo e aconteciam em espaços de tempo que não me davam tempo de me acostumar com cada uma das fases. Talvez, por isso, hoje eu não resista tanto quando tenho que saltar de uma situação para outra. Mesmo porque eu nunca miro em um só projeto. Sempre estou trabalhando em vários e assim se um não dá certo o outro ocupa minha mente e não sobra tempo para chorar pitangas. Vou levando em frente e, raramente, olho para trás. Viro a página sem medo do futuro. Consigo me adaptar rápido às novas situações. Nem me contem o que é que acontece dentro de mim. Uns entendidos dizem que é falta de foco. Prefiro não saber. Dançando conforme a música, você diria. Porém eu diria que nem tanto. Na verdade é como comprar uma roupa. A gente compra um número que acha que é o nosso e, às vezes, descobre depois que por algum motivo, ou vários, ela precisa de uns ajustes. Aperta mais aqui, folga mais ali e, como dizem por aí, “a gente se acostuma a tudo”. É só uma questão de tempo... Ou de falta de opção, talvez, quem sabe... Desse jeito, quando ficava difícil aceitar a realidade de algum fato muito doloroso eu costumava usar o mesmo recurso da tecnologia Chroma key. Tentava tomar emprestado o brilho das vidas de outras pessoas que viviam ao meu redor e agregava aos meus pensamentos à realidade delas, mas só até que aquela fase passasse. Neste caso, tudo acontecia na minha imaginação e, durante aqueles momentos eu era feliz. Não gente, com toda sinceridade, apesar de ler muito e conhecer o tema do livro, eu não li Polyana e, apenas um esclarecimento, para quem não sabe, segundo a Wikipédia, “Chroma key é uma técnica de efeito visual que consiste em colocar uma imagem sobre uma outra através do anulamento de uma cor padrão, como por exemplo o verde ou o azul azul”. Assim, mesmo sem o saber, eu já usava uma espécie de Chroma key para anular a negritude de minha vida e torná-la sempre envolta em tons de azul. O verde fica por conta da esperança que norteia a vida de todo aquele que não se deixa vencer pelo desânimo e segue em frente, virando a página!
Mas o pior mesmo e que me fez desmoronar em prantos foi quando eu comecei a entender que a partir dali eu estaria dando adeus em pensamento à pessoa que eu mais amava na vida até então. Minha querida mãe Belinha. Seu afeto; seu carinho e seu amor, mesmos sentimentos que me foram devotados por sua filha, e minha madrinha de batismo, Marly, ficariam impregnados na minha lembrança eternamente como uma forma de preservar a minha mente da loucura ou de qualquer outro distúrbio que pudesse advir daquela solidão que me sufocava as noites e que me faziam ensopar o travesseiro com lágrimas que brotavam de tanta saudade. Por muito tempo eu não poderia ouvir a música Cidade Maravilhosa, pois já em seus primeiros acordes eu entrava em convulsivo choro.
Apesar de grande, o sobrado de dois andares, cozinha e sanitário em baixo, salas de estar jantar e dormitórios em cima, no sobrado que eu passaria os próximos dezesseis anos da minha vida não tinha quartos de hóspedes e então passei a dividir o quarto das domésticas da casa e, como eu molhava a cama todas as noites, tive que passar dormir em uma esteira de palha por muito tempo. Tudo mudou. A única coisa que me deixava mais a vontade, em torno dessas mudanças, eram quando eu saía na rua e constatava que nesta minha nova cidade eu me sentia em casa. Eu até não podia, naquela época, saber ou explicar o fenômeno, mas sentia na pele que no tocante às etnias ditas, minoritárias, eu estava em casa. A maioria das pessoas que eu via nas ruas eram da minha mesma cor. Então virei a página e aprendi a me sentir feliz!
Em meio a tudo isso, uma das primeiras lições que aprendi foi a de que as mudanças fazem parte da vida. No meu caso elas começaram cedo e aconteciam em espaços de tempo que não me davam tempo de me acostumar com cada uma das fases. Talvez, por isso, hoje eu não resista tanto quando tenho que saltar de uma situação para outra. Mesmo porque eu nunca miro em um só projeto. Sempre estou trabalhando em vários e assim se um não dá certo o outro ocupa minha mente e não sobra tempo para chorar pitangas. Vou levando em frente e, raramente, olho para trás. Viro a página sem medo do futuro. Consigo me adaptar rápido às novas situações. Nem me contem o que é que acontece dentro de mim. Uns entendidos dizem que é falta de foco. Prefiro não saber. Dançando conforme a música, você diria. Porém eu diria que nem tanto. Na verdade é como comprar uma roupa. A gente compra um número que acha que é o nosso e, às vezes, descobre depois que por algum motivo, ou vários, ela precisa de uns ajustes. Aperta mais aqui, folga mais ali e, como dizem por aí, “a gente se acostuma a tudo”. É só uma questão de tempo... Ou de falta de opção, talvez, quem sabe... Desse jeito, quando ficava difícil aceitar a realidade de algum fato muito doloroso eu costumava usar o mesmo recurso da tecnologia Chroma key. Tentava tomar emprestado o brilho das vidas de outras pessoas que viviam ao meu redor e agregava aos meus pensamentos à realidade delas, mas só até que aquela fase passasse. Neste caso, tudo acontecia na minha imaginação e, durante aqueles momentos eu era feliz. Não gente, com toda sinceridade, apesar de ler muito e conhecer o tema do livro, eu não li Polyana e, apenas um esclarecimento, para quem não sabe, segundo a Wikipédia, “Chroma key é uma técnica de efeito visual que consiste em colocar uma imagem sobre uma outra através do anulamento de uma cor padrão, como por exemplo o verde ou o azul azul”. Assim, mesmo sem o saber, eu já usava uma espécie de Chroma key para anular a negritude de minha vida e torná-la sempre envolta em tons de azul. O verde fica por conta da esperança que norteia a vida de todo aquele que não se deixa vencer pelo desânimo e segue em frente, virando a página!
Uau! Saber de uma história é uma coisa, já escutei essa centenas de vezes, e digo centenas sem medo de errar, convivendo com ela por quase 34 anos, esse ano. Mas LER é outra novela! Uau! Punk Junkie Roc'n'roll.
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